Quando me detenho a refletir sobre a relação entre o homem e a Divindade, não procuro eco ou lenitivo na obra de Homero. O bardo dos primórdios da Hélade (supondo que tenha havido realmente um só Homero) nos fala sobre deuses volúveis, movidos por caprichos e levianos para com o destino dos homens. Júpiter, verbi gratia, a certa altura da Ilíada, tencionava tomar o partido dos Troianos, mas é desviado de sua intenção por uma eventual sedução de Juno, sua esposa. Homero tem deuses fúteis, indiferentes aos mortais.
Mas nem tudo é tão caótico e desesperador na mundividência grega. Encontraremos algum alento para a nossa angustiada sitis Dei (sede de Deus) nos meados do século VIII A.C. A Teogonia do poeta Hesíodo nos fala sobre um princípio divino de harmonia universal, uma energia conciliadora, inominada, que ele denomina Eros. Tal divindade inteiramente abstrata une os opostos, proporciona o equilíbrio, oferece a luz ao mundo repleto de escuridão e de vazio.
Não devemos confundir este Deus com o menino alado, irresponsável, que atira flechas envenenadas a esmo. Este é filho de Vênus, deusa profana, que mais tira do que dá aos pobres mortais. Ambos têm o mesmo nome, mas em Hesíodo Eros corresponde ao amor superior, ágape, princípio de suma bondade e de paz.
Foi sobre este Deus sine facie (Deus sem rosto) que São Paulo falou aos gregos. Havia um antigo altar para esta divindade, com poucos ritos, mas provando que uma inata tendência ao Monoteísmo sempre houve na aurora de todos os povos. Até mesmo o pagão Egito, com suas bizarras divindades animalescas, passou por um fértil período de adoração a um só Deus.
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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