Tirésias
O mito de Tirésias configura-se como um dos mais instigantes e significativos do mythologicus corpus. Muitas vezes os poetas clássicos o evocaram; está presente na Tragédia; Em Sófocles, Édipo Rei, é ele a voz do oráculo que revela a futura ruína do protagonista. Aparece também nas Bacantes de Eurípedes e em várias outras importantes obras da Antiguidade.
Tirésias era cego e previa o futuro. Mas não nasceu com estas características. A versão mais corrente relata que passeando certa vez no monte Cithéron, Tirésias viu duas serpentes se acasalando, entrelaçadas. Inadvertidamente matou a fêmea e no mesmo instante transformou-se em mulher. Assim passaram-se sete anos e mais uma vez ele passeou no mesmo lugar. Viu então outras duas serpentes no mesmo ato de acasalamento. Matou desta vez o macho e transformou-se em homem como era outrora.
Tirésias tornou-se então, depois da Hybris ao matar os inocentes animais, um homem singular; um mortal que, como nenhum outro, conhecia os segredos da anima masculina e feminina. Veio-lhe então como Nêmesis um especial convite para visitar o Olimpo a propósito de uma intrigante discussão travada entre Júpiter e Juno. Os soberanos dos deuses discutiam sobre quem tinha mais prazer durante o ato sexual. Tirésias, pauper homo!, foi chamado para julgar, afinal ele sabia como era ser homem e mulher.
A verdade, como sabemos, pode ser dolorosa e não agradar a todos. Nem mesmo aos deuses. Tirésias disse que era a mulher quem tinha maior prazer. Acrescentou que se o ato sexual fosse dividido em dez partes de prazer a mulher teria nove e o homem apenas uma. Ecce Veritas! Juno, sempre uma deusa irascível, não gostou de ter sido revelado o segredo das mulheres. Castigou então Tirésias com a cegueira. Júpiter, por sua vez, ficou contente com a resposta e deu, por consolo, o poder de prever o futuro ao infeliz juiz mortal.
Há muito a ser analisado nesta curiosa narrativa mitológica. A priori, destacamos o interesse demasiado humano, para não dizer profano, dos Olímpicos pelas questões pueris dos homens. Júpiter e Juno, o soberano casal, a discutir sobre o sexo dos mortais!
A posteriori, a reação da deusa Juno, representando o feminino gênero, após a resposta dada por Tirésias. Ela o condenou à cegueira porque foi traída em seu profundo segredo. O prazer sexual da mulher é uma arma contra o homem. Júpiter, dans la faut de mieux, dá um consolo ao pobre homem: o poder da profecia. Lembremos que saber o futuro pode ser também uma maldição.
Ad imum, o simbolismo da serpente. A portadora do conhecimento, sapientia, que pode muitas vezes levar ao sofrimento.
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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