Conhecido axioma da Teoria Mitológica nos ensina: O mito é o rito e o rito é o mito. São indissociáveis. O rito deve presentificar e significar concretamente o mito. Não havendo isto, o relato mítico se perderia na fatal oralidade, em tudo danosa para o homem.
Os gregos, e sobretudo os romanos, precisavam da concretude, da animização para sustentar o mito. Sem força e sem fé, vis et fides, os deuses seriam vazios, sem verdadeira manifestação.
O exemplo mais patente dessa argumentação é o caso das Divindades Alegóricas. Elas não se inserem nos magnos palácios olímpicos, tampouco são divindades portadoras de grande veneração. Poucos poetas as evocam em suas sagas. Mas a mente pagã as representou sempre, ainda que com leves traços próximos da abstração. Tomemos dois exemplos.
LARA, MUTA OU TÁCITA (O Silêncio). Antes de personificar o silêncio esta divindade teve a sua efabulação. Ela era uma náiade (ninfa das águas) do regato Almon, que vai dar ao Tibre. Cometeu a Hybris de ter denunciado os amores de Júpiter a Juno. O deus dos deuses cortou-lhe a língua e a mandou para o Hades. Mercúrio, encantando por sua beleza, amou-a e dela teve dois filhos chamados Lares. Sua festa em Roma, a 18 de fevereiro, era associada aos mortos. Plerique silentes (Homero). A maioria silenciosa. Falar foi o crime de Lara, depois deusa do silêncio: Tácita.
SENECTUS (A Velhice). Esta divindade era puramente alegórica. Era filha do Érebo e da Noite. Representada nas estátuas como uma velha coberta com uma túnica negra da cor das folhas mortas. Na mão direita segura uma taça e na esquerda um bastão para se apoiar. Uma clepsidra ou uma ampulheta muitas vezes aparece ao seu lado nestas representações. Obviamente os seus atributos correspondem à decadência. Morborum familia senectus (velhice, família dos males), diziam os Goliardos na Idade Média. Curiosa, porém é a taça na mão direita. Evocaria ainda um pouco do vigor restante dos tempos juvenis? Talvez a auctoritas, a autoridade e o respeito devidos a esta triste fase da vida?
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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