Devaneios Vernaculares VIII Sintaticae Singulares

11/10/2019

Com rara maestria Dante chamou a gramática (claro, a Normativa, a do Trivium) de “La Prima Arte”. Ela nos instiga, afia a nossa mente assim como uma difícil partida de xadrez.

O subtítulo deste texto devemos traduzir por singularidades sintáticas. Definamos como situações lacunares que escapam à argúcia dos principais gramáticos. Problemas, enigmas gramaticais.

Napoleão Mendes de Almeida, magnus gramaticorum, nos propicia um desses enigmas. Em sua definitiva obra Gramática Metódica da Língua Portuguesa, analisando o fenômeno da impessoalidade verbal e das orações sem sujeito o preclaro magister nos pôs a pensar.

São duas construções. “Ser-se justo” é o primeiro período. O mestre Napoleão prognostica que também o verbo anômalo “ser” pode trazer impessoalidade, tornando, obviamente, a oração sem sujeito. A partícula “se” deve ser analisada como índice de indeterminação do sujeito. Tal como na frase “precisa-se de empregados”. “De empregados” é objeto indireto. Todavia, no primeiro período citado há um grave problema. Com o verbo ser, por natureza relacional, em uma frase dita sem sujeito, não há como analisar o adjetivo “justo”. Em outra situação seria naturalmente predicativo do sujeito. Neste período não. Pois como pensar em predicativo do sujeito em uma oração sem sujeito? Singularidade Sintática. Um black hole da Gramática.

Com efeito, não há solução para tal enigma. Não pense o leitor em ser objeto direto a palavra “justo”. Inconcebível, pois o verbo é de ligação. “Palavra denotativa” é outro tiro errado, pois seria fugir da análise sintática para a morfológica sem resolver o problema.

O outro exemplo é: “Era a hora do almoço”. A mesma insolúvel dificuldade. Um período tido como sem sujeito. A “Esfinge” gramatical aqui é o substantivo “hora”. Totalmente inanalisável. O mesmo verbo neutro relacional. O artigo “a” e “do almoço” são adjuntos adnominais. Mas e “hora”? Predicativo do sujeito? Como, em uma oração sem sujeito? Tudo isso são excentricidades advindas de uma língua fragilizada, o Sermo Vulgaris (Latim Vulgar). No áureo e belo Sermo Classicus (Latim Clássico) não havia espaço para tais idiossincrasias. As frases traduzir-se-iam desta forma: Esse justus e Hora prandii erat. Como se vê, sem qualquer menção a uma incômoda impessoalidade e a vocábulos sem possibilidade de análise.

Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)

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