Incondicional respeito e obediência devemos à Gramática Normativa. É a Norma. Os clássicos do sadio idioma a instauraram. Questioná-la, sobretudo por frágeis argumentos da Linguística, é leviano e temerário. Devemos, outrossim, discuti-la, afiar a nossa mente com seus ricos processos e métodos. Mas nunca para abolir suas regras.
Todos os decantados “problemas” da Gramática Normativa, que são, afinal, suas belles difficultés,decorrem de um único e olvidado ponto. Nosso vernáculo, não obstante belo e expressivo na lavra dos bons escritores, mormente os Clássicos, provém de uma bastardia. Não somos filhos do áureo latim da Magna Aetas (84 ac -14 ad). Nossa língua, assim como suas irmãs novilatinas, vem do Sermo Vulgaris (latim vulgar). Assim se explicam, mas não se justificam, as idiossincrasias, as demasiadas exceções, os duvidosos pontos de vista e a pobreza estilística comparada ao perfectus sermo de Virgílio, Horácio e Cícero.
Um dos pontos de controversa pertinência, instigante para ser discutido, é a presença e consequente relação entre adjunto adnominal e complemento nominal. Na verdade uma idiossincrasia, quase um puro idiotismo do idioma. Os dois termos, os dois processos representam in nuce o mesmo fenômeno: a modificação do nome. Pesa sobre o primeiro, infelizmente, uma desagradável tautologia da preposição ad latina, a qual traduzia-se eventualmente por “junto de, da”. Com efeito, são dois nomes para uma mesma coisa. Algo desnecessário, portanto.
O latim clássico (Sermo Classicus) resolvia esta qualificação do nome por meio do simples caso genitivo. Não fazia diferença entre “a porta da escola”, adjunto adnominal, e “a grandeza da escola”, complemento nominal. Os dois substantivos, concreto, o primeiro, e abstrato, o segundo, recebiam as mesmas desinências. Janua scholae et magnitudo scholae.
Como vemos, as ideias de aplicação diferenciada entre substantivos concretos e abstratos, a transitividade do nome, bem como as significações agentes e pacientes são puras excrescências. O latim clássico, conciso e lapidar, não as considerava. A modificação do nome era operada pelo caso genitivo.
Talvez tenha sida a vanitas gramaticorum a responsável por esta diferenciação sem motivo. Regras precisaram ser criadas para justificar o injustificável. De todo modo, ainda e sempre será bela e forte a linha normativa. Leva-nos à ordem, leva-nos a pensar. Livra-nos do caos relativista do profanum vulgus.
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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