DEVANEIOS VERNACULARES XV A LÍNGUA E O PASSADO

27/03/2020

O estudo unicamente sincrônico de uma língua, como quer insensatamente a Linguística, é absurdo, inócuo e irrelevante. Estudar o idioma apenas em seu “estado atual” é uma falácia. Deixemos os linguistas tolejarem em vão. Em verdade, não há como entender uma língua sem pesquisar suas raízes. A nossa, verbi gratia, deve tudo ao latim. As outras contribuições, quase todas espúrias, não chegam a vinte por cento do belo corpus do idioma português.

Um bom exemplo ratificador do que supra afirmamos é o sufixo adverbial “mente” acrescentado aos adjetivos para formar advérbio de modo. Para os néscios que teimam em estudar a língua portuguesa apenas em seu deplorável estado atual – língua repleta de erros – tal sufixo é solto, destituído completamente de semântica. No entanto, todas as estruturas, todas as palavras e até as partículas de um idioma detêm uma história, um sentido que pode e deve ser estudado.

A partícula sufixal “mente”, segundo o insigne gramático ultra normativo Mário Barreto “provém do ablativo singular latino “mente”, o qual como sufixo ganhou a significação de modo, maneira.” Elucidemos um pouco mais: o vocábulo em nominativo era “mens-mentis”, substantivo feminino de terceira declinação. Significava mente, espírito, entendimento.

Em algum momento de sua trajetória o “romance” português, via sermo vulgaris, realizou o processo de aglutinação sufixal. Um substantivo in origine, declinado em ablativo singular, foi acrescido a adjetivos criando a semântica de modo. Assim, “feliz” + “mente”, “bondoso” + “mente”. A leitura deve ser: quem é feliz, é feliz com a mente. Quem é bondoso, é bondoso com a mente. Como se sabe, a preposição “com” ou outras circunstanciais vêm embutidas no caso ablativo.

Bela e poética imagem. Um sufixo rico, vindo de um forte substantivo latino. Quem poderia imaginar? Somente os Normativos, os estudiosos do passado clássico das línguas. Deixemos os linguistas com suas fartas parvoíces. Estudemos a Norma Culta da Língua Portuguesa.

Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)

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