DEVANEIOS VERNACULARES XXII

28/06/2024

CHOREMOS AS PESSOAS VERBAIS

 

“Linguam quam non noverat audivit”

Padre António Vieira

 

Por várias vezes tenho asseverado nos nossos Devaneios o quão deplorável é o estado da língua portuguesa no Brasil. Um organismo doente, no qual proliferam todos os tipos de erros e mazelas. Tenho dito também – e lamentado profundamente – a posição absurda de respaldo e até de estímulo a estes erros por parte da própria Academia!

A nobre língua de Camões aqui entre nós caminha, ou tropeça, a partir de perdas terríveis. Perdas, repito, não evolução. Involução seria mais correto dizer. Analisemos o caso da anulação, quase desaparecimento, de pessoas na conjugação verbal no pobre idioma deste país.

Deveras aterrador é o quadro. Verbum aegrotat! O verbo está doente. Há erros de conjugação em todas as seis pessoas verbais. Além disso, as segundas pessoas do singular e do plural praticamente estão mortas. Antes de passarmos aos exemplos, lembramos que em Portugal e até na pobre África portuguesa os verbos são conjugados corretamente. Somente no degredo brasileiro é que o mal se instalou.

A única pessoa verbal ainda forte, com menos erros, é a primeira do singular. Ainda assim, quando veiculada com o pronome oblíquo, apresenta graves erros, abomináveis solecismos, do tipo “para mim fazer”. Já constatei, para minha magna dolor, alunos e até professores do curso de Letras errarem assim!

Infelizmente não há tantos motivos de alívio para a ocorrência de menos erros na conjugação da primeira pessoa do singular. É a pessoa forte do discurso; não pode desaparecer ou macular-se totalmente. Até nas línguas mais bárbaras e involuídas ela se mostra atuante.

Com efeito, é lastimável a situação. Tomemos um exemplo elementar. O verbo “amar”, regular da primeira conjugação, vindo do latim “amare”, também de primeira conjugação. O presente do modo indicativo, na conjugação normativa, correta, nos dá: amo, amas, ama, amamos, amais, amam. Assim para os que prezam e sabem o idioma. Não para os néscios –  a maioria – neste país. Eles conseguem errar cinco das seis pessoas! Apenas a primeira pessoa, como já frisamos, consegue escapar dos erros. A segunda do singular é geralmente confundida com a terceira do singular: “tu ama (sic)”. Praticamente não se conjuga a primeira do plural; a desinência número-pessoal está quase nula. A segunda do plural está agonizando há muito tempo. Por fim, a terceira do plural apresenta também perda desinencial e a bastarda flexão com o pronome de tratamento “você (s)”. A propósito, esta palavra não existe em Portugal.

Pauperum verbum in nostra terra!

 

Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)

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