Crônica
Antônio Pereira de Oliveira
A primeira vez que vi um bispo foi em 1936, na igreja de Nossa Senhora das Dores, em Juazeiro do Padre Cícero, quando recebi o sacramento da crisma. Diante de Dom Francisco de Assis Pires, solenemente paramentado, com a mitra e o báculo realçando-lhe a figura, fiquei deslumbrado. Eu tinha apenas 9 anos de idade e não sabia definir esse meu estado de espírito. Só agora, depois muitos anos, vi que meu enlevo de criança procedia. É que, naquele momento, eu estava diante do sucessor dos apóstolos, título que, com tanta magnificência vem adornar a figura venerável do bispo, pois toda sequência episcopal procede de São Pedro.
Passados muitos anos, só vim ver, novamente, um bispo, por ocasião das visitas pastorais periódicas feitas a minha paróquia. Com a criação da Diocese de Iguatu, em 1961, pelo Papa João XXIII e posse do primeiro bispo Dom Mauro em 1962, aí, com o mesmo deslumbramento, tive um bispo no terreiro de casa, isto é, morando ao lado, na vizinhança, com direito, mais tarde, a privar de sua intimidade.
Não quero nessa despretensiosa crônica tratar da grande dignidade desse ilustre príncipe da igreja católica, mas simplesmente falar da pessoa humana, (designação que muitos consideram um pleonasmo), de sua simplicidade e interação com seus diocesanos. Minha aproximação com Dom Mauro aconteceu quando o colega do Banco do Brasil, José Linhares de Figueiredo, de saudosa memória, prontificou-se a criar e, inicialmente tocar, um plano contábil, para melhor administração das finanças da Diocese, levando-me para ajudá-lo na empreitada.
Dessa forma, encontramos tempo, quase diariamente, para fora do horário de trabalho no banco, executar, na residência episcopal, os serviços programados. Isso nos mantinha em frequente contato com o ilustre prelado e dava-nos a oportunidade e o prazer de compartilhar de sua vasta cultura, de sua amizade e sobretudo de seu reconhecimento. Éramos por ele tratados como figuras palacianas.
Os trabalhos de escritório tomavam-nos tempo integral, mas sempre havia espaço para uma ligeira pausa, quando Dom Mauro suspendia suas orações e vinha ter conosco para engajar-se na importância e utilidade de nossa tarefa, ou somente para conversar amenidades. Certa feita, indagado sobre o motivo de encontrar-se pensativo e um pouco alheio ao que se passava em torno de si, afirmou que estava preocupado, por falta da solução para um problema de somenos que lhe tirava a calma no momento. Antecipando-me a qualquer outra observação que pudesse surgir, indaguei:
– Dom Mauro, para que tanta apoquentação com isso, quando é verdade que o Espírito Santo, nessa circunstância, sopra-lhe no ouvido a solvência, o que fazer no caso?
A sorrir respondeu:
– Sem dúvida, Pereira, mas acontece que Ele, às vezes, sopra tão baixinho que não dar para escutar.
Em dezembro do ano passado, quando em trânsito por Iguatu, fiz-lhe uma visita em sua modesta residência, no bairro São Sebastião. Muito cortês, esbanjando simpatia, de cabelos brancos, curvado pelo peso dos anos, trajava calça branca e camisa, também branca de mangas compridas, colarinho eclesiástico e a cruz peitoral. Por um bom tempo conversamos na espaçosa varanda que dava para a beira do rio. Antes de despedir-me quis brindar-me com uma audição de órgão, mas o instrumento apresentou uma falha técnica, privando-me da satisfação de mais uma deferência sua.
Dom Mauro pareceu-me muito sereno e tranquilo, no seu retiro voluntário e, no momento, não pude deixar, mais uma vez, de abismar-me diante da figura de um bispo, sucessor de São Pedro, grande dignidade que convém seja manifesta, para que esta verdade seja reconhecida.
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