O médico sanitarista Carlile Holanda Lavor, ex-secretário de Saúde do Estado, dirige a unidade da Fiocruz no Ceará. Nesta entrevista exclusiva ao A Praça, o médico jucaense explica sobre os impactos no combate e prevenção ao coronavírus, a partir da inauguração de um laboratório na unidade da Fiocruz em Fortaleza, com capacidade para testar até 10 mil pessoas por dia. Na entrevista, Dr. Carlile Lavor também fala sobre a importância de a população seguir as normas e restrições ditadas nos decretos e protocolos dos governos, para evitar que o vírus continue se expandindo e causando danos à saúde.
A Praça – A unidade da Fiocruz de Fortaleza inaugurou um laboratório para testar cerca de 10 mil pessoas por dia. O teste é o PCR (que colhe material genético) da garganta do paciente, através do nariz. Essa testagem está pronta para iniciar na segunda-feira, 31/08? Na visão do senhor, qual o impacto desse novo equipamento na prevenção e combate ao coronavírus, aqui no Ceará?
Dr. Carlile – A Unidade começou a funcionar com a inauguração no último dia 24, segunda-feira. Estamos funcionando dia e noite, de segunda a domingo, 24 horas por dia, com 106 profissionais, divididos em 4 turmas, que trabalham em turnos de 12 horas com 36 horas de descanso. Em setembro, contrataremos mais 60 profissionais, para alcançarmos aquele total de exames diários. Poderemos testar todos os pacientes que estiverem com sintomas, e identificar os que estão com o vírus para serem isolados.
A Praça – A Fiocruz, como instituição pública que historicamente sempre zelou pela saúde da população, sobretudo contribuindo com a pesquisa, dá mais um passo importante ao inaugurar esse laboratório?
Dr. Carlile – Sim, é uma contribuição importante para o controle da doença em nosso estado.
A Praça – O laboratório ficou pronto em três meses, um tempo recorde, dada a complexidade da estrutura física e da instalação dos equipamentos. O senhor sempre acreditou que daria tempo de o equipamento entrar em funcionamento com o Ceará ainda nesse epicentro de contaminação?
Dr. Carlile – Contamos com uma equipe especial, desde os arquitetos, engenheiros e todos os que trabalharam na construção, a equipe que planejou o laboratório, selecionou e treinou os profissionais, os que se dedicaram à compra dos equipamentos chineses e americanos, foi um esforço conjunto de trabalhadores da sede da Fiocruz no Rio e de um grande grupo de cearenses.
A Praça – Como será a parte operacional de testagem? Equipes técnicas vão para as ruas abordar as pessoas para pesquisar e identificar os supostos contaminados?
Dr. Carlile – A coleta do material é realizada na Unidade de Saúde onde o doente é atendido, enviado ao LACEN, que o encaminhará à nossa Unidade na Fiocruz, em Eusébio. Entregaremos os resultados em 24 a 48 horas.
A Praça – Apesar das medidas adotadas pelos governos (decretos, ações, força militar e legislação rigorosa para punir infratores com multas por desobediência), percebe-se que o vírus continua avançando, agora com mais força pelo interior devastando e matando. Na sua concepção, o que ocorre quando as pessoas estão vendo os efeitos de uma Pandemia que já deixou um rastro macabro de óbitos no Mundo, mas elas acreditam que possa acontecer com elas?
Dr. Carlile – Em Fortaleza e na Região Metropolitana diminuiu muito o número de doentes, e é possível testar todos os pacientes com sintomas. Na região Centro-Sul, Sul do estado e outras regiões do interior é necessário dar uma atenção especial para o tratamento e isolamento dos doentes, e adotar todas as medidas de higiene: uso adequado de máscara, distância entre as pessoas, lavar as mãos ou usar álcool muitas vezes no dia, evitar aglomeração, para que se alcance os mesmos resultados já alcançados em Fortaleza.
A Praça – Alguns países da Europa e Ásia, onde as infecções e transmissões pelo vírus já estavam sob controle, voltaram a adotar medidas de restrição isolamento, inclusive fechamento de fronteiras. O que pode ter acontecido? Será que houve precipitação na retomada de atividades da economia, o que acabou colaborando para que o vírus se disseminasse novamente, em razão das aglomerações?
Dr. Carlile – Sim. Os cuidados de higiene e distanciamento entre as pessoas têm que ser continuados até que tenhamos cortado a transmissão do vírus.
A Praça – Na década de 80 o senhor criou o programa de Agentes Comunitários de Saúde, programa este copiado por diversos países, dada a sua eficiência do trabalho desses ‘agentes’, na prevenção de doenças, principalmente no combate às doenças que matavam muitas crianças, como as infecções respiratórias e as diarreias. Esse programa continua atual se a gente imaginar que os agentes de saúde poderiam trabalhar na prevenção do combate ao coronavírus?
Dr. Carlile – Sim. Os agentes comunitários de saúde têm um papel muito importante para explicar a todas as famílias aqueles cuidados. Eles precisam aprender o que deve ser ensinado. Se aprenderem, podem dar uma grande contribuição, como fizeram para reduzir a mortalidade infantil.
A Praça – O que mais se fala atualmente na mídia é sobre o uso de uma vacina na prevenção das infecções provocadas pelo coronavírus. Pelo menos 7 países já anunciaram que estão concluindo testes. Será que estamos mais perto de ter finalmente a vacina? O Brasil está na corrida nesta seara de pesquisa de uma vacina?
Dr. Carlile – Sim. Se continuarmos com os bons resultados encontrados nos testes das vacinas até agora, começaremos as ter as primeiras doses nos primeiros meses do próximo ano, e muitas vacinas até o meio de 2021.
A Praça – Por ter uma estrutura envolta de gordura o vírus não consegue ter sobrevida fora de um organismo vivo, ou seja, fora do corpo ele pode resistir pouco. Na visão do senhor, o que continua sendo mais eficiente contra esse inimigo: o isolamento social, uso dos equipamentos como a máscara, uso do álcool em gel, lavar constantemente as mãos com frequência?
Dr. Carlile – Todas estas medidas para evitar que o vírus saia do nariz de uma pessoa e chegue a outra pessoa, nas mãos, na roupa, no rosto…
A Praça – Por que o vírus tem formas diferentes de ação, dependendo do organismo do paciente? Já vimos casos de pessoas da terceira idade que conseguiram se recuperar e pessoas jovens que foram a óbito. Estamos lidando com um vírus totalmente mutante que se modifica e se torna mais letal a cada fase de transmissão?
Dr. Carlile – Temos muito o que aprender ainda nesta doença. Como em outras infecções ou gripes, muitos ficam logo curados ou nem adoecem, outros se agravam, desenvolvem uma pneumonia, a doença pode afetar o coração, os rins, o intestino, etc.
A Praça – O que acha da polêmica que se instalou por causa do tipo de medicação para combater as infecções provocadas pelo coronavírus? Já existe uma combinação padrão de remédios eficiente contra as infecções, ou isso é relativo, conforme o tipo de infecção, o histórico do paciente e o estágio da doença?
Dr. Carlile – O mais importante é o médico estar atualizado para identificar o tratamento adequado a cada caso. A maioria das pessoas não terá necessidade de medicamentos, alguns terão de ser medicados de forma especial, hospitalizados e até ir para uma UTI.
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