A promotora pública Helga Barreto, titular da Vara da Infância e Juventude da comarca de Iguatu, fala em entrevista exclusiva ao A Praça sobre o agravante dos moradores de rua na cidade. O tema já foi abordado em reportagem publicada na edição anterior. Agora a representante do Ministério Público fala sobre causas, efeitos e ações envolvendo este público que vive à margem da sociedade.
A Praça – Como o Ministério Público atua nos casos em que há denúncias de pessoas vivendo em situação total de rua?
Dra. Helga Barreto – A atuação específica voltada para a tutela de interesses difusos e/ou individuais indisponíveis da população em situação de rua atualmente é da incumbência da Promotoria de Justiça de Iguatu, titularizada pelo Dr. Leydomar Pereira, dentro da matéria denominada ‘cidadania’. Apenas quando os casos são de crianças ou adolescentes ficam sob nossa responsabilidade. A regra então é acionar o Conselho Tutelar e o serviço de abordagem social, para que iniciem o serviço de busca ativa e assim identificar aquele infante e localizar sua família, encaminhando-o então para o serviço dentro da rede socioassistencial voltada para a infância que for mais adequado para o caso.
A Praça – Esse público é de uma faixa etária única, ou diferentes idades? Há informações da origem dessas pessoas, seus endereços e famílias?
Dra. Helga Barreto – Variadas faixas etárias! Temos de idosos a crianças e adolescentes. Geralmente são pessoas com parca documentação pessoal, oriundos muitas vezes de outras cidades, declarando como endereço determinada praça ou rua da cidade de Iguatu e com vínculos familiares já rompidos ou muito fragilizados. É bem comum inclusive que a situação de rua seja o ápice de um processo de exclusão social que começa com desemprego e passa por dependência química, culminando com desenvolvimento de algum problema de saúde mental e exclusão do seio familiar de origem.
A Praça – A senhora consegue enxergar uma rede de atenção e proteção às pessoas que estão vivendo em situação de vulnerabilidade social? Na rua?
Dra. Helga Barreto – A rede para a pessoa em situação de rua aqui no Iguatu vem sendo capitaneada quase que exclusivamente pelo CREAS, que, por sinal, o município só dispõe de um, contando com o apoio ainda de algumas instituições religiosas.
A Praça – Uma cidade do porte de Iguatu, não deveria já ter um equipamento para oferecer ‘abrigo’ a esse público que mora na rua?
Dra. Helga Barreto – Sim. Pela NOB-SUAS, o Município, com mais de 100.000 habitantes, já deveria contar com um órgão voltado para tal público, chamado pela legislação de Centro – POP. É um equipamento interessante, onde são servidas refeições, fornecidos armários com chaves para as pessoas em situação de rua guardarem suas coisas, além de chuveiros para banhos. Além disso, desafogaria o CREAS, órgão da Assistência Social de Iguatu, visivelmente mais sobrecarregado dentro da política assistencial.
A Praça – Que políticas públicas faltam que possam funcionar de forma integrada para minimizar os problemas das pessoas que estão vivendo sem o ‘minímo’, totalmente à margem?
Dra. Helga Barreto – Afora o Centro Pop citado, os benefícios eventuais da Política de Assistência, tais como o aluguel-social, distribuição de cestas básicas e auxílio natalidade (kit bebê) são fundamentais para garantir aquilo que a doutrina jurídica denomina de ‘mínimo existencial’. E estes só vêm acontecendo em parte aqui no Município, precipuamente no caso do benefício do aluguel, que, salvo engano, atualmente não conta com nenhum beneficiário aqui em Iguatu.
A Praça – No caso específico dos menores que estão nos semáforos e pontos comerciais da cidade vendendo produtos, pedindo dinheiro, caracterizando ‘trabalho infantil’, a pergunta mais comum da população é por que, apesar das ações do MP e dos órgãos de assistência social, esses menores permanecem nos locais?
Dra. Helga Barreto – Não é possível que nenhum órgão realize uma espécie de ‘recolhida forçada’ de pessoas em situação de rua, sejam elas crianças e adolescentes ou adultos e idosos. Medidas deste tipo se caracterizariam como higiene social e, a depender da forma, quiçá, uma espécie de criminalização da pobreza. Trata-se de um problema social profundo e multifatorial. É claro que a criança ou adolescente que está no sinal vivencia uma situação contínua de risco, que inclusive pode culminar com sua institucionalização, razão pela qual deve ser acompanhada pelo Conselho Tutelar e programas socioassistenciais, e, a depender do caso, ser inserida nos serviços de abordagem social, busca ativa de famílias, SCFV/PAIF/PAEFI. Contudo, os resultados deste tipo de serviço previsto na política pública não são imediatos, como se a criança que começa a ser acompanhada hoje semana que vem já deixasse de exercer a mendicância. Até porque ela é bastante lucrativa, já que a população local muitas vezes confunde dar esmolas em sinais com ‘ajudar as pessoas’. Claro que doações são válidas: ao Fundo da Infância e Adolescência, gerenciado pelo CMDCA, às entidades beneficentes, religiosas ou não, que exerçam um trabalho que aquele doador acompanhe. Esmola não. Esta vicia e acirra o problema.
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