Quando brinquei de parodiar conhecido Drummond, no Facebook, não antevi que o texto, plasmado no poema “Confidência do Itabirano”, do poeta mineiro, tivesse a repercussão que teve entre amigos queridos. Como tratasse da saudade telúrica e do sofrimento dela advindo, não faltou quem me dirigisse as mais carinhosas palavras de apoio, num gesto que nasce da bondade e do carinho conterrâneos. Se a intenção, antes de tudo, era suscitar curiosidade em torno da obra do nosso poeta mais completo, agora que faria ele 120 anos, o resultado foi bom. Vamos, pois, ao que interessa na coluna de hoje.
Chegam às livrarias da cidade os três ou quatro primeiros volumes de Carlos Drummond de Andrade dentro do projeto gráfico com que o Grupo Editorial Record, sob a competente organização do queridíssimo amigo e escritor cearense Edmilson Caminha, decidiu prestar ao poeta mineiro a primeira e mais importante homenagem em face do relevante acontecimento: “Alguma Poesia” (1930), “Sentimento do Mundo” (1940) e “Claro Enigma” (1951), além de “Antologia Poética”, que o próprio Drummond se encarregou de organizar em inícios dos anos 1960.
Cada livro, além de textos de orelha que dirigem o leitor para o pleno deleite do conjunto de poemas do escritor mineiro, traz um posfácio assinado por Ronaldo Fraga, “Alguma Poesia”; Ailton Krenak, “Sentimento do Mundo”; Mia Couto, “Claro Enigma” e Zélia Duncan, “Antologia Poética”.
Li-os, e posso assegurar: são quatro posfácios de encher os olhos, quer pela beleza da escrita, quer pelo que servem como elucidação de alguns aspectos mais significativos da poesia de Carlos Drummond de Andrade, mesmo para os leitores mais familiarizados com a obra do itabirano.
Hoje, passados todos esses anos desde o lançamento dos três livros, entremeados por títulos ainda a serem publicados pela Record, pode-se perceber que em nada diminuiu a força do lirismo drummoniano: o frescor inerente a cada poema, a cada verso, ao leitmotiv essencial do que se costuma identificar como a poética do autor mineiro, é o mesmo. Não é muito dizer, acrescente-se, que alguns poemas têm a capacidade de ressignificar-se, num tipo de reexame de temas que parecem ser os mais prementes da pauta contemporânea: a influência da Semana de Arte Moderna, a inserção da literatura no cotidiano da sociedade, o senso de humor no tratamento das questões existenciais, o nacionalismo tenso e questionador, no caso de “Alguma Poesia”; a visão de mundo de um homem comprometido com as questões sociais e políticas de seu tempo, a simpatia sutil pelo socialismo como alternativa para o modelo injusto da sociedade capitalista (segundo entendimento de Antonio Candido), o memorialismo como forma de resgatar a bondade original e o conflito nas relações familiares patriarcais, no caso de “Sentimento do Mundo”; o distanciamento da estética modernista e o retorno às formas tradicionais da poesia, o culto do soneto e de outras composições fixas, a reflexão de cunho filosófico e a aguçada compreensão do ‘estar-no-mundo’, que orienta parte expressiva do livro, em “Claro Enigma”, são pontos a destacar.
Há 120 anos de seu nascimento, a 31 de outubro, em Itabira do Mato Dentro – MG, Carlos Drummond de Andrade ressurge no cenário da grande literatura brasileira contemporânea como um nome a ser cultuado por diferentes segmentos leitores, dos jovens, que nunca foram além da “pedra no meio do caminho”, a estudiosos e especialistas dedicados como Edmilson Caminha, a quem, para nossa felicidade, foi confiada a responsabilidade de resgatar a obra imorredoura do maior poeta brasileiro em belíssima homenagem.
Viva Drummond!
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
0 comentários