Foi num desses dias em que até candidato em véspera de eleições apressa o passo. Dia de testas oleosas e sobrancelhas franzidas.
Acordei suando frio, transpassado por um pesadelo que logo se confirmou. Ainda semiacordado, chequei o celular. Quinze ligações perdidas. Quem seria? Um trote, talvez. Mas soava muito desesperado, mesmo para um preso paulistano. E, coisa curiosa, as ligações eram de números diferentes.
Comecei, como bom ansioso que sou, a imaginar. Lembrei de uma frase que li ( houve um tempo em que eu costumava ler ). Era mais ou menos assim : Depois de certa idade, quando batem na nossa porta, já não perguntamos “quem é?”, mas sim “o que é agora?”. Quando uma notícia ruim chegava lá em casa, meu avô dizia ” É ele! É sempre ele !”
Logo me veio à mente a figura do meu chefe. Sua cara careca, seus olhos esbugalhados, como alguém que está sempre à beira de um enfarto. Em se tratando de chefe, ninguém está seguro. Mas não havia sentido em ser ele : trata-se de um dinossauro que mal maneja o próprio celular.
Mas também lembrei das dívidas. Quantos suicídios eu sabia ser por causa de dívidas!
Como não sou rico ( os ricos não se abatem pelas dívidas; ao contrário, eles não existiriam sem elas) tive medo :poderia ser algum banco ou agiota — embora eu não estivesse devendo nem a bancos nem a agiotas. Ademais, como disse um amigo certa vez, quando tocávamos nesse assunto: ” É mais fácil o cara para quem eu tô devendo se matar!”
E se não fosse” Ele”, mas Ela ? Repassei, mentalmente, todas as antigas namoradas possivelmente ressentidas pelo final da relação.
Assustado, concluí que eu havia sido mais largado do que o contrário. Quem sentiria raiva de um pobre-diabo que mal paga as contas?
Além do mais, eram 15 ligações e eu tivera, se não me engano, apenas duas namoradas mais obsessivas.
É bem verdade que uma delas disse, no final : Você irá se arrepender! Porém não foi pelo término, e sim porque contei a um amigo que ela tinha mau hálito e a língua grande, literalmente.
Inquieto, saí para o trabalho. Já imaginava alguém chegando no estabelecimento e procurando por mim. Se fosse um ” O Sr. Belarmino ( é meu sobrenome, infelizmente) se encontra?”
Eu estaria ferrado. Mas se fosse uma voz feminina, dizendo assim :” O Vá Vá ( Meu nome é Valdemar , infelizmente) está?” Não seria tão ruim.
Eu não conseguia trabalhar mais, imaginando o pior. Então, súbito, pego emprestado o celular de um amigo e ligo para os números. Fiquei chocado quando descobri que não eram quinze números, mas apenas 4 números, embora muito parecidos.
Já ao ouvir a voz que vinha do primeiro deles, soube de imediato: eu havia acertado a milhar na cabeça, em 4 bancas diferentes ( meu único vício é o jogo). Uma bolada. Meu Deus! Como imaginei esse dia! Após anos de medo e humilhações!
Cheguei na temida sala do chefe careca. Ele estava com a testa suada ( fazia um calor infernal), os olhos esbugalhados e cravados em mim. Pensei que ele fosse ter um treco, um infarto. Sem muito arrodeio, cravei:
— A partir de hoje eu não trabalho mais aqui.
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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