Eles nunca deixam de acreditar mesmo na pandemia

27/06/2020

Empreender não é tarefa fácil, nunca foi, principalmente quando se trata de investir e buscar se firmar no mercado, em meio a uma crise aguda de saúde pública, como o Brasil está vivendo.

Em nossa região não é diferente. O cenário atual, ao olhar mais otimista, sob qualquer direção, ainda é de incertezas, mas como nem tudo está perdido, a economia revela os empreendedores que não desistem e mesmo diante da turbulência mundial, mesmo diante da crise pandêmica, nunca deixaram de acreditar.

Na 6ª semana da série lançada pelo A Praça ‘Pequenos Negócios e o Impacto da Pandemia’, tem sido enfática a narrativa fala dos pequenos negócios, mas que também conta histórias de pessoas, homens e mulheres, que estão empreendendo, inovando, criando. Eles acreditam que com a crise vem também as oportunidades, e essas não podem e nem devem ser perdidas.

Quando a pandemia colocou milhões de pessoas em todo Mundo sob ‘quarentena’, ela também estava criando nova demanda de consumidores, desta vez não consumidores de rua, mas sim de casa, um público que também vem se revelando exigente e usuário também de outras modalidades de serviços, como as compras on-line, usando as redes sociais e as entregas por delivery. A reboque dessas nuances do novo mercado consumidor surgem as novas profissões, como os ‘entregadores’, ‘cozinheiros’, ‘embaladores’, gente que sempre quis entrar no mercado, mas nunca teve oportunidade.

Nesta edição, o periódico conta ao prezado leitor as histórias de empreendedores que estão se pluralizando e se desdobrando para produzir, divulgar e conquistar a clientela no segmento de alimentos prontos. Como a ex-faxineira, que sofria muito com dores por causa das exaustivas jornadas de trabalho. Com um ultimado do médico em mão, para evitar as faxinas, sob pena de ficar com a coluna seriamente comprometida, ela e a filha resolveram montar uma tapiocaria. A representante comercial, que sonhou isolou em casa por causa da pandemia e se encontrou no pequeno negócio da produção e venda de bolos recheados e sobremesas. E a fortalezense que trocou a vida da capital, pelo interior, vindo se instalar em Iguatu, de onde está com o esposo produzindo doces, salgados, bolos recheados, e ainda fazendo planos para ampliar o negócio.

Iguatuzinho de Açúcar

Cecília Caroline, 34, natural de Fortaleza, e o esposo Filipe Menezes de Oliveira, 32, iguatuense, não imaginavam que tantas mudanças pudessem acontecer quase ao mesmo tempo na vida deles. O nascimento da filha, a pequena Maria Cecília, 02, a mudança de cidade, de Fortaleza para Iguatu, a   conclusão do curso de graduação, em Direito, de Filipe, a perda do emprego da Cecília, e o início do projeto de empreendedores na área de doces, salgados, sobremesas.

Depois que se instalaram na cidade, eles tiveram mais um filho: o ‘Iguatuzinho de Açúcar’, nome do empreendimento criado para atender a clientela com serviço de delivery em bolos, doces, sobremesas, lanches personalizados. A escolha do nome, segundo Cecília e Filipe, foi para homenagear a cidade e sua gente. Também porque eles sempre ouviram muito das pessoas: “vou para o meu iguatuzinho de açúcar”. Cecília lembrou que com exceção da chegada da filha do casal, Maria Cecília, há dois anos, as outras mudanças aconteceram num curto espaço tempo entre o final de 2019 e o começo de 2020.

Antes de vir morar em Iguatu, Cecilia já fazia doces caseiros e bolo de pote e vendia na rua, na esquina de casa onde a família morava, no Conjunto dos Bancários, próximo à Barra do Ceará, em Fortaleza. Isso, segundo ela, foi no começo da crise sanitária, assim que ela perdeu o emprego numa companhia aérea, que foi à falência.

Cecília Caroline Oliveira de Macedo tem o perfil da mulher brasileira que não se abate mediante os desafios, nem das crises. Quanto mais turbulência, mais ela se move e se reinventa. Enquanto tem uma pandemia lá fora, ela empreende com o marido no novo negócio e não para de estudar, nem de fazer planos para o futuro. Apesar da formação acadêmica em ‘Design de Moda’, Cecília foi buscar na Gastronomia não só uma fonte de renda, mas também uma realização profissional. “Gosto de moda, mas me identifico muito com os doces, a culinária, a gastronomia, ainda vamos montar nossa ‘Doceria’”, afirmou.

Entre sonhos, projetos, metas e desafios, ela e o esposo vão administrando o pequeno negócio que começou de forma tímida, mas ganhou força com os impulsos que o casal promoveu nas redes sociais usando alguns canais de comunicação com o público consumidor. Para interagir com a clientela, eles usam as redes sociais, principalmente o Instagram e um canal de mídia chamada ‘tráfego pago’, para anunciar os produtos feitos na cozinha de casa na Rua Dr. José Holanda Montenegro, antiga 27 de novembro, 933, Alto do Jucá. Os produtos: ‘bolo de pote’, ‘Browne’, ‘marmita de bolo red velvet’ (vermelho veludo, um tipo de bolo americano, mais macio, com recheio, muito usado em festas de casamento e outros eventos sociais), o ‘cachorro quente de pote’ (pão especial com camadas de molho, recheio e cobertura de batata palha) e o ‘copo felicidade’ (misto de browne, morango, creme de Ninho, chant’Ninho e ganache – mistura cremosa de chocolate e creme de leite, utilizado como cobertura ou recheio de bolos). Esses quatro, (browne, marmita de red velvet, cachorro quente no pote e copo felicidade) foram eleitos pelos empreendedores Cecília e Filipe, como os produtos carro-chefe do negócio, dois deles, Cachorro Quente de Pote e Copo Felicidade), criação exclusiva de Cecília). Para o red velvet, Cecília incrementou a receita com recheio de creme de Ninho e geleia de morango.

Cecília Caroline, 34, e o esposo Filipe Menezes de Oliveira, 32, e a pequena Maria Cecília, 02.

Além das sobremesas e hot dog no pote, Iguatuzinho de Açúcar também está se especializando em doce caseiros: banana, mamão com coco, caju, leite liso, leite caroçudo, leite com coco, goiaba e leite com geleia de morango. Para se aprimorar nesses produtos, Cecília disse que se inspirou em duas pessoas: o esposo Filipe, que já fez curso na área da Agroindústria pelo IFCE, e a mãe dele, dona Maria do Carmo, servidora pública do Estado aposentada pelo Hemoce, que com o esposo Carlos Aberto Sampaio (também funcionário público aposentado pela antiga Coelce), administram um sítio da família na comunidade de Itans, zona rural de Iguatu, onde também criam galinhas, produzem polpas artesanais de frutas e criam algumas cabeças de gado, de onde produzem e vendem leite. Dona Maria do Carmo, especialista em doces caseiros, foi inspiração para Cecília.

No recém negócio criado, o próprio casal se desdobra para preparar os pratos, atender os pedidos e fazer as entregas, além da atenção com a filha, Maria Cecília, de dois aninhos.  Eles mesmos fazem as entregas dos produtos nos endereços dos clientes, nos pedidos a partir de R$ 10,00. Cecília ressaltou que os pedidos começaram a se multiplicar a partir da propagação nas redes sociais e no ‘tráfego pago’.

Cecília e Filipe já têm planos pós-pandemia. Eles planejam ampliar o pequeno negócio que surgiu na crise, fazendo avançar para um novo patamar de produção, distribuição e entrega, para atender a clientela, inclusive com um carro móvel que possa ficar fixo ou se deslocar para pontos diferentes da cidade.

Cecília continua estudando. Está fazendo pós-graduação em Gestão de Pessoas e já está de olho em outra especialização na área de Marketing. Para a mulher de 34 anos que abdicou da vida na capital do Estado para acompanhar o esposo numa nova jornada profissional no interior, estar sempre antenada com o mundo, suas mudanças, tecnologias é como se fosse também um negócio, um novo empreendimento.

Fábrica de Delícias

Na sala de estar da casa da Adriana, 44, na Rua Edite Barreto 201, loteamento Ramiro Rolim, bairro Areias 2, ela organizou seu escritório de representação comercial. Na verdade seria sua futura imobiliária. A meta era se especializar na área, preparou-se, fez curso, só faltava o estágio, que ela não fez devido à pandemia que chegou mudando por completo os planos. A carreira de Corretora de Imóveis, por enquanto, vai ter que esperar, pois ela precisou aderir a outra atividade que gerasse renda num espaço de tempo mais curto.

Casada, mãe de três filhos e avó, Adriana é uma mulher mutante. Ela se adapta conforme a fase econômica do país. É uma metamorfose em cada tempo. Para ela, o importante é se reinventar sempre para não ficar para trás. Isso já é uma característica profissional, desde que ela iniciou a carreira como representante comercial há 24 anos. Ou seja, antes da crise viral, ela já era vendedora profissional. Trabalhava como representante comercial de uma marca de produtos de limpeza de Fortaleza, mas viu as vendas despencarem vertiginosamente.

O avanço do Coronavírus para o interior já a colocou em isolamento social em casa. Em março, em plena efervescência da crise epidêmica nasceu sua netinha Heloísa, da filha mais velha, Hérica Bruna, 22, acadêmica de Enfermagem. No início da crise, para fugir um pouco da ociosidade e não esquecer suas habilidades da cozinha e de vendedora, Adriana já vinha fazendo mungunzá, bolos, doces e comercializando no próprio bairro Areias onde mora. Mas quando as imagens dos produtos chegaram às redes sociais, tudo mudou. A sala de casa foi transformada em doceria onde ela expõe os produtos: bolos, picolés, sorvetes, mousses, pudins e doces. A cozinha, também transformada, virou o ateliê onde os pratos são preparados. E nasceu a Adriana ‘doceira’, ‘confeiteira’, ‘boleira’.

A Fábrica de Delícias, nome escolhido para o pequeno negócio da família, é atualmente o trabalho e o salário, de mãe e filha, que não se deixaram abater pela crise, pelo contrário, estão conseguindo gerar renda trabalhando em casa, exercendo uma profissão de confeiteiras que é uma paixão no Mundo, a culinária especializada em produzir os sabores mais elaborados e surpreendentes em doces, bolos, confeitos, sobremesas.

Na ábrica de Delícias as protagonistas, são mãe e filha, Adriana e Bruna Herica

Parece loucura, mas o cardápio da ‘fábrica’ é bastante variado, com piscina com paçoquinha, mini vulcão, bolo vulcão, bolo no pote, bolos caseirinhos, tortaletes, mousses variados, creme delícia de abacaxi, mungunzá. Mas a confeiteira, vendedora, futura corretora admite que seu carro-chefe do cardápio é o ‘bolo piscina de cenoura com creme belga’. A clientela vem aumentando também desde que ela fez uma postagem dos produtos nas redes sociais, aí veio a ideia de criar Instagram próprio e organizar a produção dos pedidos para entregar aos clientes.

Adriana acredita que receita de bolo pode ser tudo igual, mudando apenas a ordem de como são inseridos os ingredientes, seus recheios e coberturas. Mas ela também acredita que o produto pode ter maior aceitação e despertar o desejo de ser consumido à medida que tem um diferencial, no acabamento, embalagem e até numa mensagem de otimismo, amor, motivação, encorajamento, escrita à mão, em papel, colocado sobre a embalagem. É sua forma de enxergar a culinária e conseguir se sobressair em meio a um mercado que cresce, com tanta gente trabalhando em casa, produzindo alimentos. “O sabor depende muito da dose de amor que você deposita nele”, lembrou.

Tapiocaria Manancial

A faxineira Maria Ferreira Lima, 43, estava com os dias contados para encerrar a profissão que exercia desde os 10 anos de idade, por causa do reumatismo e da artrite, doenças adquiridas em função dos mais de 30 anos de trabalho em longas jornadas fazendo movimentos repetitivos limpando e organizando ambientes em casas de famílias.

A filha dela, Thalia Ferreira de Souza, 22, relatou que era dramática ver a situação quando a mãe chegava em casa, sempre ao final de mais um dia de trabalho. “Ela sempre chegava chorando e sem poder movimentar os braços, eu quem tirava a roupa dela para ir tomar banho e dava massagem para amenizar as dores.

Thalia contou que a mãe havia recebido um ultimato dos médicos que precisaria parar urgente. Mas não houve tempo da faxineira pensar, pois a Covid-19 a fez parar antes, visto que por causa da pandemia as pessoas que a contratavam para as faxinas, dispensaram-na já que todas estavam em casa.

Maria Ferreira deixou de exercer o trabalho insalubre, mas precisava se manter com a família. Se por um lado ela se sentiu aliviada do incômodo das dores reumáticas, por outro era preciso pensar em algo que suprisse suas necessidades básicas de casa. Foi aí que ela recorreu a um sonho: iniciar um pequeno negócio, trabalhar na confecção de alguns pratos, os quais ela tinha habilidade para fazer: bolo de caco, cuscuz temperado e com recheio, tapioca amanteigada, café com leite. Cardápio simples, mas com forte apelo à culinária regional.

Maria Ferreira Lima; 43 anos, e Thalia Ferreira de Souza, 22 anos

A filha Thalia revelou que já era um sonho da mãe ter um pequeno negócio em casa, mas lhe faltava investimento e coragem. “Eu juntei um dinheiro trabalhando à noite e fiz a proposta a ela de abrimos uma tapiocaria. Ela topou. Graças a Deus, o sonho dela se realizou e vem dando certo, ela saiu das faxinas, e, o melhor de tudo, não chora mais de dor, somos muito gratas a Deus por tudo”.

Delivery

A Tapiocaria Manancial funciona na residência da ex-faxineira, e agora empreendedora Maria Ferreira Lima, na Rua Francisco Montenegro, Vila Centenário, n° 275. Ela e a filha Thalia realizam as entregas nos endereços dos clientes. “Vamos entregar com todos os cuidados, os produtos bem higienizados e bem embalados, para prevenir contaminação.

Thalia informou que a tapiocaria segue também todos os cuidados sanitários e de higiene, com o uso de avental, toucas, luvas, máscaras, lavando bem as mãos em cada preparação dos lanches. “Higienizamos constantemente o local de trabalho, pois sabemos e nos preocupamos com a situação em que nos encontramos”, contou.

Para divulgar os produtos elas usam as redes sociais por um perfil no Instagram e WhatsApp.

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