Professor Tiago Ítalo*
Todos estamos em casa. A vida prevalece nesse momento frente à crise sanitária que estamos presenciando por causa da pandemia da Covid-19, um novo tipo de vírus que nos impeliu a uma quarentena. Deixamos de lado as ruas, os negócios, o fluxo freneticamente urbano, mas o que fazer no ócio talvez seja também um desafio.
Na vida, fomos condicionados a tudo o que é movimento, nada se concretiza no contemporâneo, tudo é fugaz, fluido. Vamos para o trabalho percorrendo o mesmo caminho iludidos de que tudo permanece em seu devido lugar. Chegamos em casa, parecendo ser a mesma pessoa, mas não, somos diferentes. Esta é a rotina, o cotidiano, o ritmo das fábricas. Nunca atravessamos uma mesma avenida duas vezes.
Encerramo-nos em nossos domicílios, é tempo de encontrarmos as esposas, os filhos, os animais de estimação, redescobrir os vãos da casa, superar a simples habitação. Não basta ficar em casa, é necessário estar presente. Conviver. Embora seja uma tarefa árdua, mas tempestiva. De alguma maneira, usufruir do ócio, pois o tempo que não aproveitamos escorre como as oportunidades negligenciadas.
Mas no mundo da vida, as coisas precisam funcionar, para que o país não estanque, o mercado não recue, não muito, a feira do mês seja garantida, enfim, a necessidade nos força a sair de casa. É preciso que também saiamos de nós mesmos, no sentido de entender que existem os que nada têm, vivem por aí, à mercê do tempo, do mundo, marginalizados. Estes não têm casa, nem o privilégio da quarenta, do salário, do café quente. Várias pessoas que nem os rostos conhecemos. Por isso, sair para compreender a escassez do outro em cada um de nós.
O nosso tempo requer reflexão sobre o que somos diante do que enfrentamos. O isolamento para buscar uma saúde do corpo é insuficiente, é mister que se alcance uma alma tranquila, capaz de enxergar, em paz, tudo o que acontece. Como os filósofos estoicos, que seguiam a ataraxia, ou seja, uma alma imperturbável diante dos demasiados problemas. Aí está, nesse momento, a capacidade de entender a nós mesmos e o outro.
O que nos separa hoje, nos une mais fortemente no amanhã. Porque o que se almeja é uma possibilidade de resguardar vidas, criar e fortalecer os laços de humanidade. Preservar a vida só vale quando se tem o fim nela mesma. É nosso maior valor universal. Garantir a nossa sobrevivência, ainda que trancados, isolados em nossas casas, em nossos corpos, mas com a certeza de que, tão logo passe essa crise, estaremos vivendo as nossas vidas sob outra perspectiva, a de que só podemos superar os desafios quando a vida humana for sempre o fim em si mesma.
* Mestre em Filosofia pela UFC, Professor da SEDUC-CE e da FASC-IGUATU
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