A rua Luzia Moreira no Bairro Veneza, na cidade de Iguatu, por si só perdeu sua intensidade de circulação e deu lugar a cenário quase deserto. O vai e vem de alunos já não existe mais desde 2020. O colégio ganhou ares de lugar sombrio e sem vida. Na quarta-feira, 21, o sentimento nostálgico e melancólico de quase um ‘novo luto’ veio à tona novamente por ex-alunos que circulavam na via onde se situa o patrimônio educacional do município.
O registro em vídeos e fotos foi feito no momento em que terceirizados da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC) faziam a retirada de computadores. No local, carteiras, equipamentos esportivos, vidros e instrumentos quebrados foi a cena mais comum dos registros. A cena de abandono gerou um clima de comoção nas redes sociais entre ex-alunos e antigos colaboradores.
O lugar foi alvo de vandalismo no início do mês, fios da rede elétrica e instrumentos que pertenciam ao projeto do maculelê foram furtados por adolescentes que foram apreendidos com objetos nas imediações. “Lamento tudo isso! Um lugar em que construímos diversas histórias”, escreveu Alisson Ferreira, ex-aluno.
Desde o encerramento das atividades do Centro Educacional Ruy Barbosa, após 58 anos de contribuição, o lugar ainda permanece vivo na memória de muitos. “Triste são mais de 50 mil vidas que aqui passaram. Uma história que precisava ser preservada”, afirmou Jaqueline Souza, ex-aluna que fez o registro que viralizou.
Mobilização
O Ruy Barbosa se uniu ao triste quadro de colégios que finalizaram suas atividades na cidade por variados motivos: Colégio Diocesano, Colégio São José, Escola Brasil.
Diante do novo acontecido, é ensaiada uma nova mobilização. A comunidade espera fazer provocação ao poder público municipal sobre a possibilidade de assumir o prédio, desapropriado como bem de uso essencial à cidade. Grupos de trabalho da mobilização em prol do colégio agendam encontros para traçar estratégias na preservação do legado patrimonial o qual muitos defendem como pertencente à sociedade iguatuense.
Procurada pela reportagem, a CNEC informou que se posicionaria a respeito dos recentes casos por meio de nota, mas até o fechamento da reportagem não obtivemos resposta. Nos últimos anos, a unidade esteve prestes a repassar o imóvel, mas o negócio não evoluiu.
Em 2019, ex-alunos fizeram o movimento “Somos Todos Ruy Barbosa”. Com atos na frente do colégio eles pediam que a CNEC reavaliasse o posicionamento de encerramento das atividades. O grupo exigia na ocasião que o patrimônio e o acervo fossem protegidos como material fotográfico, bibliotecário e troféus.
Início e fim
Fundado no início dos anos 60, o colégio Ruy Barbosa foi pioneiro no ensino privado com mensalidades acessíveis, atendendo alunos de diversas cidades do interior do Ceará. Após o falecimento do diretor Dr. Edson Gouvêa, educador referência de ensino e de disciplina, que esteve à frente da gestão por mais de 40 anos, o colégio sofreu com a perda de alunos que culminou na interrupção dos serviços educacionais.
A CNEC alegou que a decisão foi uma consequência da análise minuciosa de fatores internos e externos que se tornaram inoportunos à manutenção do bom atendimento da comunidade local com a qualidade e eficiência características da marca.
Outros fatores motivadores para o fim foi a inviabilidade financeira, devido aos preços praticados pela concorrência no mercado privado educacional, na relação entre número de alunos, corpo técnico pedagógico e administrativos e segmentos ofertados, e a inadimplência acumulada ao longo dos últimos três anos marcada ainda por desligamentos de professores e direção decanas do Ruy Barbosa.
Ruy Barbosa abandonado: derrota para educação, para o Iguatu e para o Centro-Sul Cearense
Por Jaquelini de Souza (Professora da URCA, ex-aluna e ex-professora do Ruy)
Nesta semana alguns vídeos que fiz viralizaram nas redes sociais, chocaram milhares de ex-alunos e a comunidade em geral, do atual estado de abandono do Ruy Barbosa. Estava voltando da URCA e, por volta do meio-dia me deparei com um caminhão de mudanças tirando alguns computadores da escola, que, segundo os trabalhadores, seriam levados para outra escola da CNEC.
Então entrei, fiz aqueles vídeos, fiquei pouco tempo, não explorei mais áreas do prédio, porque, como ex-aluna e ex-professora, tive vontade de chorar. Ver a tabela de basquete caída no chão, foi como uma facada no meu coração. Quando atleta, fui bicampeã na saudosa Copa JBC, pela seleção de basquete feminino. Lembrei do quanto fui feliz naquela quadra, e mesmo como ex-aluna ajudei por uma década inteira, fazendo as súmulas dos interclasses, nos jogos de basquete.
Os vídeos geraram uma importante comoção e revolta com a atual situação da escola. Recebi muitas mensagens de ex-alunos dizendo estarem de “coração partido”, e até mesmo de pessoas que não estudaram na escola, mas que lembram com carinho dos jogos de interclasse, que apesar de serem só do Ruy, lotavam a arquibancada com expectadores da comunidade em geral, de suas quermesses, das quadrilhas, das semanas culturais e principalmente do maculelê. Até mesmo, o ônibus da escola, circulando pela cidade, foi citado. A memória do Ruy não pertence apenas a seus ex-alunos e ex-funcionários, mas a toda comunidade iguatuense e do Centro-Sul Cearense, que por ele foram impactados.
Muitas pessoas também postaram em suas redes sociais o quanto foram felizes no Ruy, o quanto as experiências vividas marcaram suas vidas para sempre. Uma escola é parte constituinte da história, memória e identidade de uma pessoa e de uma comunidade, se a sociedade iguatuense e do Centro-Sul do Ceará deixar que aquele prédio, as memórias daquela escola, simplesmente se vão, será a maior derrota da educação e do que ela representa na história de Iguatu.
Em seus 60 anos de funcionamento, por baixo, devem ter passado no mínimo 50 mil vidas por aquela escola. Desde pessoas que estudaram a vida toda ou pelo menos um ano por lá. É muito comum ver três gerações de uma mesma família, de pais, filhos e netos, como ex-alunos. É preciso nos reerguer e mostrar que a voz da comunidade é forte. Mesmo que a CNEC venda o prédio, e ele se torne tudo, menos uma escola, ainda assim é possível preservar sua estrutura e criar um centro de memória, como um pequeno museu, respeitando as histórias de vida de milhares de pessoas, que assim como eu, foram muito felizes por lá. A Faculdade São Francisco do Ceará – FASC fez isto ao preservar a estrutura e restaurar a capelinha do Colégio São José.
Eu clamo a você que ama o Ruy como eu: não permita que parte de sua história seja destruída. “Prédio velho”, como muitas vezes o patrimônio histórico é tratado, importa, e importa muito, porque conta a história de muitas vidas, muitas amizades que se tornaram eternas, muitos amores que se tornaram famílias. Se nós não mais nos importarmos com isso, então coração não temos mais, e nossa humanidade se já foi.
O Ruy é nosso! De todos nós! Não pode ser propriedade exclusiva da CNEC, até porque, aquele terreno é na verdade um conjunto de terrenos doados pela prefeitura, e sua estrutura foi construída por alunos e pais de alunos por gerações! Quantos balaios de São João foram vendidos para arrecadar dinheiro para a construção, quantos pais e alunos ajudaram a cavar alicerces e levantar paredes, para que aquela escola, que até hoje, tem a maior estrutura de Iguatu, dentre as privadas, existisse! Vamos deixar tudo isso simplesmente desaparecer?
Como ex-aluna-atleta, termino esta súplica com o grito de guerra da escola, que puxei muitas vezes como capitã da seleção de basquete. Ele é simples, mas espero que faça arrepiar seu coração, e o motive a sair da indignação para a ação. É POSSÍVEL VIRAR O JOGO! COMO TANTAS VEZES AS SELEÇÕES DO RUY FIZERAM!
RUY, RUY, RUY, RUY BARBOSAAAAAAAAAAAA!
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