A Praça – O tema é carregado de tabus e de maneira inédita será abordada profissionalmente por você em Iguatu. De que maneira se desconstroem os estigmas envoltos ao assunto para que a pessoa com problema sexual possa ter a consciência de que precisa de ajuda?
Luan Layzon – O primeiro passo para a desconstrução e superação dos estigmas envolvidos nas questões de sexualidade é pela educação. Uma boa educação sexual tem base no respeito às subjetividades e diversidades, no entendimento de que a sexualidade é antes de tudo um aspecto humano, e para além da reprodução, é um traço de nossa identidade, um direito, componente fundamental para o desenvolvimento psíquico, qualidade de vida e manutenção da saúde, a partir desse entendimento é possível compreender sua relevância e abrangência. Analisando a história da humanidade, podemos entender como a sexualidade e o sexo foram trabalhados. No século XVII, a moral vitoriana ditava as sexualidades mudas e contidas, um tempo de repressão sexual. Com a chegada do século XVIII, o assunto ganha um pouco de espaço, chegando às instituições como a igreja, escola, família e o consultório médico. No século XIX, os movimentos feministas foram responsáveis por grandes avanços, nesse sentido, as questões de gênero como papel social foram inseridas nos debates, ocorrendo uma quebra de paradigmas na qual a sexualidade saiu de um viés reducionista para o viés de construção social, de corpo e de identidade. Freud, no século XX, já alertava sobre reduzir o conceito de sexualidade quando falava que “[…] Se, por outro lado, tomarem a função de reprodução como núcleo da sexualidade, correm o risco de excluir toda uma série de coisas que não visam à reprodução, mas certamente são sexuais”, citando como exemplo a masturbação e o beijo. A educação nos possibilita uma nova construção de sociedade que respeita as diferenças, que tem uma nova concepção do sexo, do desejo, do prazer, desconstruindo os sentimentos de culpa, angustias, constrangimentos, que historicamente foram introjetados e causam mal-estar e adoecimento.
A Praça – O que o fez buscar essa especialização?
Luan Layzon – Na graduação em Psicologia entendi a importância das questões de sexualidade para a qualidade de vida e saúde das pessoas, entendendo essa relevância foquei minha pesquisa acadêmica na área. Meu primeiro artigo científico já tratava de compulsão e masturbação, isso foi se afunilando e no Trabalho de Conclusão de Curso estudei como a homofobia era nociva nos ambientes escolares (artigo publicado no Caderno de Gênero e Sexualidade – UFBA), posteriormente, já graduado, no processo de Residência em Saúde na atuação nos serviços especializados em saúde mental (CAPS IJ, CAPS AD e CAPS III) recebendo várias demandas no campo da sexualidade decidi, após a residência, ingressar na especialização em sexualidade humana para aprimorar minha prática e trazer para Iguatu uma especialidade inédita. A partir disso, me tornei membro da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana – SBRASH, uma das mais respeitadas da América Latina e pioneira no Brasil.
A Praça – De cada 10 brasileiros, em média 5 apresentam algum problema relacionado à sexualidade. A que se deve o surgimento desses casos na sua ótica de profissional da área? Quais são os motivos mais comuns que levam as pessoas a terem problemas na hora do sexo?
Luan Layzon – As disfunções ou problemas sexuais, ou seja, a falta de uma resposta sexual satisfatória, podem ser causadas por questões físicas, psicológicas ou mistas. Nas causas orgânicas, por exemplo, a cardiopatia, a hipertensão ou diabetes podem interferir ou aumentar a probabilidade de ocorrências de problemas de ereção, nas questões psíquicas, a depressão, ansiedade, baixa autoestima, tabagismo, problemas afetivos ou relacionais e traumas sexuais podem interferir gerando ejaculação precoce ou retardada, vaginismo, dispareunia entre outros exemplos. Assim como outras questões, como o uso de medicamentos e outras drogas, até mesmo desconhecimento do corpo e zonas erógenas, e falhas na educação sexual podem interferir causando uma vivência erótica sofrida.
A Praça – Como lidar com problemas sexuais? Qual a forma de “tratamento”?
Luan Layzon – A partir da identificação de que alguma coisa no campo da sexualidade não está bem, a pessoa precisa procurar ajuda. Sei que isso não é fácil de se fazer, mas as intervenções em Terapia Sexual têm se mostrado potentes no cuidado da saúde sexual. A terapia sexual é uma modalidade de Psicoterapia com foco nas questões da sexualidade, tem objetivo de empenhar-se na construção de uma vivência erótica satisfatória, costumando ser breve, contudo, também é possível que chegue a um contexto psicoterapêutico mais alargado. Também é caracterizada pelas intervenções individuais ou para o casal, podendo ser indicada à adolescentes, adultos e idosos, independentemente da orientação sexual e identidade de gênero. Geralmente atende às demandas das disfunções sexuais, no meu caso as de fundo psicogênico, como, por exemplo, a ejaculação precoce ou retardada, disfunção erétil, desejo sexual hipoativo, a anorgasmia, dispareunia, vaginismo, aversão sexual, traumas sexuais e outras questões relacionadas à sexualidade, como a dificuldade de aceitação da orientação sexual e problemas conjugais. É importante dizer que na maioria das vezes esse atendimento é feito de forma multiprofissional, mantendo uma boa comunicação com profissionais da urologia, da ginecologia, fisioterapia entre outros.
A Praça – Que consequências as pessoas podem sofrer se não conversarem mais abertamente sobre o assunto?
Luan Layzon – Existem muitas pesquisas que apontam que o fato de não se conversar de forma séria e consequentemente aderir a crenças destorcidas sobre o sexo e sexualidade, gera vulnerabilidade e uma maior possibilidade de desenvolvimento de problemas sexuais. Na verdade, se entende que a falta ou a distorção da educação sexual está na etiologia das disfunções sexuais. O ideal social de corpo e de desempenho, a partir da discrepância com o real, também pode fazer com que as pessoas se percebam em determinadas situações como falhas ou fracassadas, ficando claro a interferência dos mitos sexuais na autoestima, nas relações e no desempenho sexual.
A Praça – Casais costumam ir junto na primeira consulta? Quem toma mais a iniciativa de discutir o assunto?
Luan Layzon – Geralmente um dos membros do casal procura o atendimento e posteriormente convence o outro a participar. É importante compreender que a Terapia Sexual não se restringe somente a casais. Pessoas solteiras em suas vivências sexuais podem se queixar de alguma disfunção ou sofrimento relacionado ao sexo ou a sexualidade e procurar o atendimento, assim, não é necessária a participação do outro, pessoas dentro de um relacionamento também podem procurar de forma individual, a questão pode ser individual ou do casal.
A Praça – Quais são os benefícios de uma vida sexual saudável para os mais diversos públicos?
Luan Layzon – A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que “A sexualidade forma parte integral da personalidade de cada um. É uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado dos outros aspectos da vida”, complementando que “A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, portanto, a saúde física e mental. Se saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada um direito humano básico.” Se sexo e sexualidade são saúde, preciso te fazer uma pergunta: como vai a sua? O sexo e a sexualidade não se resumem ao coito ou a reprodução, precisamos entender que uma vivência satisfatória nesses aspectos repercute aliviando estresses do dia-a-dia, aumentando imunidade, queimando calorias, causando boa saúde ao coração, melhorando a auto estima, é ótimo para relação, diminui o risco de câncer de próstata, fortalece a musculatura pélvica, colabora para um bom sono, enfim é saúde biopsicossocial.
A Praça – Visto que o tema abrange os vários públicos e faixas etárias, como é possível trabalhar a terapia fora do ambiente clinico?
Luan Layzon – As questões de sexualidade podem e devem ser trabalhadas fora do ambiente puramente clínico. Conseguimos isso através de espaços que possibilitem uma discussão segura e responsável. Acredito que as escolas e as universidades ainda são as melhores instituições para isso, visto que em muitos casos a família se nega ou não sabe como conversar ou orientar para boas vivências sexuais. A escola sendo espaço de desenvolvimento e diversidade deve cumprir seu papel de educação para além das formalidades, infelizmente ainda encontramos grandes tabus nas escolas, vindo de gestores, professores e até governos, e isso é problemático. Já nas universidades encontramos uma liberdade maior para isso, seja em eventos, disciplinas que abordam a temática sexualidade e projetos de pesquisa e extensão. São espaços de mudanças de paradigmas e desconstrução de mitos, são espaços de liberdade.
A Praça – A população confunde suas atribuições profissionais, por abordar esse tema e achar que pode intervir na orientação sexual e de gênero da pessoa?
Luan Layzon – Algumas vezes sim, por se usar o termo Terapia Sexual ou ser um processo que trabalhe com a sexualidade, algumas pessoas confundem ou podem confundir com terapia de reversão sexual, mas não se trata disso. A partir do entendimento que orientação sexual é o caminho espontâneo do desejo e identidade de gênero o papel social de ser homem, mulher ou outro e ambos como componentes dos corpos e identidade e não patologia, entende-se que não existe cura para aquilo que não é doença. As famosas terapias de reversão sexual ou cura gay, propagadas a partir do avanço do conservadorismo fascista, é criminoso, falacioso, anticientífico e uma grande enganação. O conselho Federal de Psicologia formaliza esse entendimento nas resoluções 01/99, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual e a 01/18 que normatiza a atuação para os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis, sendo as duas fincadas no respeito às diversidades, na luta contra o preconceito e na busca da geração de saúde dessas pessoas diante de uma sociedade historicamente LGBTfóbica.
Perfil Luan Layzon é psicólogo (CRP11/10527), graduado pelo Centro Universitário Leão Sampaio (UNILEÃO), especialista em Saúde Mental Coletiva em regime de Residência Multiprofissional em Saúde pela Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE) e especializando em Sexualidade Humana (FAVENI), membro da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH), coordenou o Projeto de Extensão Educação, Gênero, Erotismo e Sexualidade (PEGES), desenvolvido pela Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu- FECLI, unidade da Universidade Estadual do Ceará (UECE), idealizou junto a Escola de Saúde Pública de Iguatu o I Encontro de Saúde da População LGBT de Iguatu. Possui experiências práticas na área de Psicologia clínica, escolar, jurídica, terapia sexual e saúde mental, atuando e pesquisando principalmente nos seguintes temas: Psicologia, Saúde Mental, Sexualidade e Psicanális
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