Entrevista: Dr. Flávio Côrte Pinheiro Promotor de Justiça – MPE/CE

22/05/2021

Flávio Côrte Pinheiro de Souza coordena o Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude (CAOPIJ). Ele é um dos que lidera campanha com outros magistrados, de prevenção e combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, por ocasião do dia 18 de maio, data que lembra o Dia Nacional de luta contra este tipo de violência. O promotor que atua em Juazeiro do Norte é o entrevistado desta edição do A Praça, para falar sobre o tema

A Praça – O MP/CE lançou campanha institucional alusiva ao dia 18 de maio. Qual o significado desta data e qual a finalidade da campanha?

Dr. Flávio Côrte – O dia 18 de maio foi definido no ano de 2000 como o Dia Nacional de Combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. E foi escolhida esta data, tendo em vista que no dia 18 de maio de 1973, uma criança, de nome Araceli Crespo, foi sequestrada, violentada sexualmente, drogada e posteriormente assassinada. Então foi definida essa data, para que toda a nação brasileira relembre esse fato e busque combater, para evitar que fatos semelhantes a esses voltem a ocorrer. E a finalidade dessa campanha é justamente trazer informações à população conscientizar e indicar para a população meios de denunciar casos de abuso sexual que ocorrem no Brasil.

A Praça – Estão sendo divulgados 05 vídeos com a participação de promotores, inclusive o senhor está numa dessas mídias. Qual o teor das mensagens e a que tipo de público são direcionadas?

Dr. Flávio Côrte –  As mensagens trazem dados estatísticos dos casos de abuso sexual no Brasil, trazem dados de operações realizadas pelo Ministério Público nessa área, apresenta uma cartilha desenvolvida pelo Ministério Público, com várias informações para orientar a população e indica sinais que podem ser identificados em crianças e adolescentes vítimas desse tipo de situação, e apresenta também alguns órgãos do Ministério Público, responsáveis pela proteção das vítimas e pela repressão aos agressores. O público alvo é toda a população, a população em geral precisa tomar conhecimento dessas informações e especialmente, pessoas que lidam diretamente com crianças e adolescentes, mas obviamente, que os pais ou responsáveis, professores, conselhos tutelares, toda a rede de proteção dos municípios.

A Praça – Esse canal de denúncias, através do disque 100, realmente funciona?

Dr. Flávio Côrte – Sim! O disque 100 funciona, é desenvolvido pelo Ministério dos Direitos Humanos, é um canal que funciona 24 horas por dia sete dias por semana. A ligação é gratuita e é resguardado o anonimato. No momento em que a pessoa registra a denúncia, essa denúncia é encaminhada ela é encaminhada aos órgãos de proteção, como o Conselho Tutelar, Ministério Público e Delegacia de Polícia

A Praça – O que o senhor acha desse percentual de 73% dos casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes ocorrerem no próprio ambiente onde as vítimas vivem?

Dr. Flávio Côrte – Esse percentual é realmente muito alto e preocupante, porque as crianças e adolescentes, esperam de seus pais ou responsáveis, proteção, e quando esses fatos ocorrem no interior da sua residência são praticados, em sua maioria, por pessoas da própria família, ou pai, ou padrasto, ou às vezes a mãe, às vezes um primo, um parente próximo, um amigo, ou seja revela a preocupação, e quão difícil é combater esse tipo de fato, porque ele ocorre na clandestinidade, entre quatro paredes, distante dos olhos de outras testemunhas. Daí a importância de toda a população ter acesso a essas informações e ficar atenta e poder acionar os canais de denúncia caso tenha a suspeita de alguma situação de abuso sexual.

A Praça – Segundo dados do próprio MPE/CE, somente no ano passado, foram 1.744 denúncias no Ceará. Esses números são altos ou estão num patamar aceitáveis, considerando o cenário de violência sexual contra esse público?

Dr. Flávio Côrte – Esse número é elevado, é significativo, representa cerca de 05 denúncias por dia, mas o pior é que esse número não reflete a realidade dos casos que ocorrem. Segundo estimativas, as denúncias que chegam ao conhecimento do Disk 100 representam apenas cerca de 10% dos casos que efetivamente ocorrem. Então, se nós imaginarmos essa estatística, nós chegaríamos aí ao patamar de 17 mil casos ocorrendo só no Estado do Ceará. Lembrando que esses 1.744 casos referem-se exclusivamente ao ano de 2020, no Estado do Ceará e relacionados a abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Nesses números, não estão aí as outras formas de violência, a exemplo da violência física.

A Praça – O senhor acredita que a pandemia possa ter contribuído para o aumento dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes?

Dr. Flávio Côrte – A pandemia fez com que muitas pessoas se recolhessem em suas casas, devido ao isolamento social. Em razão disso, as crianças deixaram de ter outros olhares sobre elas, a exemplo de parentes, vizinhos, e da escola. E, segundo estimativas houve uma redução de denúncias em 17%, se comparado ao ano de 2020. E os estudos dos analistas indicam que essa redução se deve justamente em razão da falta de outros olhares sobre essas crianças. E também, considerando as informações já pré-existentes, de que a maioria desses casos, ocorrem dentro da própria casa, acredita-se que esses casos tenham aumentado, tendo em vista que a criança passou a ficar sem a visão de outras pessoas que poderiam protege-las.

A Praça – Em material enviado pelo MPE para a imprensa o órgão fala das subnotificações. O que é isso, mais casos de abuso sexual contra crianças que não estão nos registros oficiais?

Dr. Flávio Côrte – Exatamente, as subnotificações, é porque muitos casos não são levados ao conhecimento das autoridades, por diversos motivos: ou porque não houve a presença de pessoas, ninguém desconfiou daquela situação, ou quando é mais grave, às vezes a situação chegou ao conhecimento das pessoas, mas aquelas pessoas foram coniventes, e há casos, que às vezes o pai abusa sexual do filho, da filha e a mãe é conivente com a situação, então ela não leva o caso ao conhecimento das autoridades. Então é muito preocupante.

A Praça – Como fazer para perceber eventuais sinais de violência em crianças que estão sendo vítimas de abuso sexual?

Dr. Flávio Côrte – Para perceber os sinais, a primeira coisa, é que, quem convive com aquela criança deve estar muito atenta. E também estar aberto a ouvir o relato da criança. Há estimativas, estatísticas que indicam que cerca de 94% dos relatos trazidos pelas crianças são verdadeiros, então deve-se dar credibilidade a essas informações trazidas pelas crianças. E ficar atento aos sinais, por exemplo de comportamento, mudanças bruscas de comportamento. Às vezes uma criança que era muito carinhosa, de repetente passa a ser muito agressiva, ou vice-versa, às vezes a criança apresenta queda no seu rendimento escolar, às vezes a criança apresenta comportamento de regressão (alguma coisa que ela já tinha deixado de fazer, ela volta a fazer), a exemplo de ‘chupar o dedo’, fazer xixi na cama, às vezes a criança chora na presença de determinada pessoa, sempre que aquela pessoa se faz presente, ou a criança não quer ir para a escola, ou chega na escola e não quer volta pra casa, são esses sinais de contraste, essas mudanças, obviamente, um sinal só, não significa que está ocorrendo o abuso. É preciso se suspeitar da situação, eventualmente procurar um profissional e verificar, o que está acontecendo e motivando aquela mudança de comportamento.

A Praça – Existem casos em que há conivência da mãe, que mesmo sabendo que o filho sofre violência sexual, dentro de casa, acoberta o crime e não denuncia o agressor?

Dr. Flávio Côrte – Sim, é muito comum existirem casos em que a mãe não leva o caso, sabe por exemplo que o pai violenta seu filho, ou sua filha e não leva o caso ao conhecimento. Vamos pensar também que muitas mulheres são vítimas de violência doméstica. E muitas delas, por uma série de razões, não levam o caso ao conhecimento das autoridades. E o mesmo ocorre em relação ao abuso de crianças e adolescentes. A própria criança, às vezes tem muita dificuldade de acessar uma delegacia, acessar o telefone para fazer essa denúncia. Então, imagina se essa mãe, por uma série de fatores é conivente isso causa ainda mais prejuízo a essa criança. Mas devemos lembrar que o abuso sexual, pode ser praticado, não só pelo pai, em relação aos filhos, mas também pela mãe em relação aos filhos. Então à medida em que essa mãe é conivente, eventualmente com o abuso praticado pelo pai, ela também entra na categorização de abusadora.

A Praça – Quem são os maiores aliados do MPE nesta mobilização nacional para diminuir os casos de violência sexual contra as crianças e adolescentes?

Dr. Flávio Côrte – Essa mobilização envolve uma série de atores, uma série de órgãos, de proteção, e aí podemos destacar os conselheiros tutelares, a Delegacia de polícia, o próprio Ministério dos Direitos Humanos, a secretaria de Proteção Social, os CRAS, os CREAS, as escolas, ou seja, todos aqueles que lidam com crianças e adolescentes. E o nosso recado principal vai para as famílias, para todos que fazem a nossa sociedade, para que fiquem atentos a esses sinais, e havendo suspeita, não precisa haver a prova, basta suspeita faça a denúncia ao Disk 100.

Perfil

Flávio Côrte Pinheiro de Sousa

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) Especialista em Direito Processual Penal pela Escola Superior da Magistratura do Ceará (ESMEC). Ex-Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (MPRN) – de 2004 a 2014. Desde 2014 é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). Atualmente é titular da 13ª Promotoria de Justiça de Juazeiro do Norte (Atuação em Infância e Juventude e Educação) e Coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude (CAOPIJ) do MPCE

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