Pobre homem! Era assim que dona Matilde saudava seus clientes. Ato contínuo, inclinava-se um pouco e tocava as duas mãos da pessoa, fazendo uma concha. Não importava qual fosse o gênero, a idade ou classe social do indivíduo, ela sempre recebia com seu “Pobre homem”.
Ninguém sabia ao certo se o “pobre” era uma referência a situação da pessoa – estar tão desesperada ao ponto de procurar uma cartomante septuagenária de reputação duvidosa; ou se já ali, de entrada, dona Matilde lia a sina dos visitantes.
O fato é que assim o homem foi recebido, já tarde da noite.
– Qual seu nome, meu filho?
– Elizeu. Mas todos me chamam de Welmar.
– Hum-Rum.
– Diga, dona Matilde, o que estou intentando fazer, diga, terei coragem de fazer?
– Coragem todos têm, meu filho. O difícil é sorte.
– Não sorte, só coragem, dona Matilde.
– É. Mas as cartas não mentem…
O homem olhava o ambiente ao redor. O mau cheiro devia subir até às narinas do próprio Deus. Dois velhos magros olhavam de soslaio para ele. Bebericavam alguma coisa e murmuravam. Os móveis velhos, vulgares, caindo aos pedaços. A pequenina mesa com uma toalha preguenta onde a velha punha as cartas. Um vira-lata sobre um tapete encardido. Para onde ele olhava, havia pó, muito pó. Esfregou os olhos. Fitou novamente os dois homens: pareciam agora estátuas de sal. Começou a pensar que estava no lugar certo.
– As coisas que eu fiz, as coisas que estou por fazer…
– É. As cartas não mentem…
– Ah, dona Matilde! Se todos soubessem quem realmente sou!
– Todos sabem, meu filho. Você é Elizeu, que todos chamam de Welmar.
Ao ouvir essas palavras, o homem ficou transido. Pensava nas coisas que estavam “por fazer”. Começou a delirar.
Ao ouvir “Elizeu”, pensou ter ouvido “Filisteu”. Impacientava-se. Mexia nos bolsos; afrouxou o cinto.
Dona Matilde sentiu a presença do cano do outro lado da mesa. Mas não deu um passo, não mudou a postura um milímetro. Em seu currículo havia consultas a famosos pistoleiros. Dizem que Belchior em pessoa havia feito uma consulta, às escondidas, com a cartomante. O cano por baixo da mesa, por baixo dos panos, apontado para a velha virilha, já não era o inimigo.
– Eu vou fazer coisas terríveis esta noite.
Ficaram em silêncio. E o cano a girar, por baixo da mesa. A velha arregalou os olhos. O homem quis saber.
– As cartas mostram um homem, um velho homem. Ele é uma rapina, meu filho. Disse coisas terríveis de você. Quis roubar tudo que é seu. Este homem quis tirá-la de você. Sim, falo daquela mulher…
-Este homem me dá medo, meu filho, veja!
Dona Matilde mostrou os pelos eriçados.
– Diga, dona Matilde, quem é este homem?! Confirme se é quem eu penso. Este homem é a causa de tudo. Anda, fala, desembucha!
– Este homem é Elizeu, que todos chamam de Welmar.
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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