Farsa e farsantes

08/05/2021

A semana termina expondo às escancaras o que já sabíamos: o maior responsável por grande parte dos mais de quatrocentos mil mortos pelo coronavírus tem nome e se chama Jair Messias Bolsonaro.

Prevista para concluir seus trabalhos em noventa dias, a CPI da Covid-19, instalada no Senado para investigar as ações do Governo Federal no campo da saúde, suas omissões e desmandos que levaram a esses números dramáticos, mal precisou de uma semana para dar a ver o que, em condições previstas na Constituição (independência, rigor e imparcialidade) deve ser o seu relatório final.

Os depoimentos de dois ex-ministros e do atual titular da pasta, pôde-se ver, revelaram conteúdos tão claros que podem, sem qualquer prejuízo, apontar para linhas de ação e perfis de conduta absolutamente bem delineados, a saber: Luiz Henrique Mandetta agiu de forma condizente com a Ciência, teve capacidade de comando e foi firme em se manter coerente quando as pressões do presidente o afastaram do cargo; Nelson Teich, que o sucedeu, a exemplo de Mandetta, manteve-se fiel à Ciência, mas lhe faltou comando, firmeza para estabelecer um programa eficiente de combate à doença, embora tenha tentado preservar a imagem ao pedir o chapéu; Marcelo Queiroga, atual ministro da Saúde, em que pese ter um histórico profissional que conta em seu favor na perspectiva do cargo, é titubeante, medroso e, por isso, incapaz de tirar o país do abismo a que se dirige a passos largos. Numa palavra: conivente.

Diante do que se viu na semana que termina, com relação à CPI, o depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello, mais que uma pá de cal para o que resta de esperança ao Governo, anuncia-se como um revoltante espetáculo burlesco (numa hora em que perdemos um gênio do verdadeiro humor), algo a contrastar com o desespero que se agiganta em meio ao festival de irresponsabilidade, sordidez e vileza próprias de um genocídio.

Para além disso, diga-se em tempo, como observou com propriedade um craque na matéria, o jornalista e escritor Ruy Castro, em coluna da edição desta sexta-feira da Folha de S. Paulo, a CPI da Covid-19 serviu para demonstrar a dificuldade de senadores para arguir: tropeçam nas palavras, alongam-se em subjetivações, fogem do objetivo de uma CPI, constroem raciocínios prolixos e equivocados, mas, sobretudo, o despreparo e a vassalagem desavergonhada de alguns dos integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito. A defesa que o bolsonarista Luiz Carlos Heinze fez do uso da cloroquina, por exemplo, deve entrar para os anais da Casa como uma das páginas mais ridículas, vis e delituosas de que se tem notícia nos últimos anos.

Ao falar na sessão dessa quarta-feira 5, na desesperada intenção de poupar o chefe, Heinze expôs sem disfarce, em que pese a máscara, o que bem pode ser visualizado como a cara do Brasil hodierno: uma farsa.

Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais

MAIS Notícias
Eis a [velha] questão
Eis a [velha] questão

A semana que termina marca também o final da mais abjeta campanha política de que se tem notícia. Em São Paulo, mais importante cidade do país, durante debate em que se devia apresentar propostas de governo, discutir problemas da população e apontar alternativas de...

A política e a politicagem
A política e a politicagem

Fiz oito anos na antevéspera do golpe de Estado de 64. Àquela época, os jornais não circulavam nas cidades do interior, não havia tevê e as notícias chegavam até nós através do rádio. Como morássemos ao lado de Aluísio Filgueiras, velho comunista, num tempo em que ser...

DE POESIA E SUBJETIVAÇÕES
DE POESIA E SUBJETIVAÇÕES

  Do poeta e compositor Cicero Braz, num gesto de gentileza que perpassa a grande amizade, vem-me o vídeo curioso: Erasmo Carlos conta um telefonema de Belchior rogando-lhe adiar a gravação da música “Paralelas”, para a qual diz ter escrito outro final, já...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *