A MP 936 e as relações de trabalho na turbulência do Covid-19
A Praça – A crise socioeconômica provocada pela Pandemia do Covid-19 mexe com as relações de trabalho no mundo inteiro. Em nível de Brasil, quais os principais desdobramentos dela na relação do desemprego e a economia?
Gabriel Uchoa – Primeiramente queria agradecer ao espaço concedido pelo Jornal A Praça para que possamos esclarecer nossa população sobre os pontos primordiais da MP 936/20. Se analisarmos com calma o Programa de Manutenção de Emprego e Renda, nome dado à Medida Provisória, nos deixa claro que seu principal objetivo é amenizar o desemprego e evitar um prejuízo catastrófico para economia. Não há dúvidas que seu desdobramento maior é preservar o emprego e a renda, gerar a continuidade das atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública.
A Praça – A Medida Provisória 936, editada recentemente pelo Governo Federal, trata exclusivamente da suspensão temporária dos contratos de trabalho e redução de salários?
Gabriel Uchoa – O mérito da referida medida sãos os dois casos acima citados, mas nela possui outras situações que não deixa de ser importante, como é o caso da estabilidade provisória caso os empregados venham a realizar o acordo.
A Praça – No caso específico da ‘suspensão temporária’ dos contratos de trabalho, qual o amparo que o trabalho tem, segundo o que está na MP?
Gabriel Uchoa – Nessa situação não existe contraprestação pelo serviço, o contrato está suspenso e o empregado não pode receber qualquer ordem do patrão devendo permanecer em casa. O empregador com receita bruta anual inferior a R$ 4,8 milhões no ano de 2019 vai suspender totalmente o pagamento do salário e os empregados farão jus ao Benefício Emergencial, que será custeado com recursos da União no valor de 100% do seguro-desemprego que o empregado teria direito. No caso de receita bruta anual superior a R$ 4,8 milhões no ano de 2019 o empregador paga uma ajuda compensatória de 30% do salário do empregado e o Benefício Emergencial será devido no valor de 70% do seguro-desemprego que o empregado teria direito.
A Praça – A MP assegura que neste caso da ‘suspensão temporária’, após o cumprimento dos 60 dias, por quanto tempo o trabalhador não poderá ser demitido?
Gabriel Uchoa – O empregado passa a ter direito à estabilidade provisória por período igual ao da suspensão, não podendo ser demitido sem justa causa.
A Praça – Durante o período da suspensão temporária, a empresa continuará recolhendo os encargos normalmente, FGTS, INSS, Seguro Desemprego?
Gabriel Uchoa -Não só nesse caso de pandemia, mas também nos demais casos de suspensão do contrato de trabalho as obrigações das partes ficam suspensas, não sendo necessário recolhimento de FGTS e INSS. Quanto ao Seguro Desemprego o trabalhador não terá qualquer prejuízo em uma futura demissão.
A Praça – A partir do momento em que a empresa faz a adesão ao processo da ‘suspensão temporária’, em quanto tempo o trabalhador receberá a primeira parcela de pagamento?
Gabriel Uchoa – O trabalhador começa a receber com 30 dias da comunicação do empregador ao Governo Federal. É bom lembrar que depois que realizado o acordo, a empresa possui dez dias para fazer essa comunicação.
A Praça – De onde vem o dinheiro que o Governo Federal está usando para pagar aos trabalhadores que ficarão com seus contratos suspensos?
Gabriel Uchoa – A operacionalização vai ser do Ministério da Economia e os recursos provenientes do Tesouro Nacional.
A Praça – A outra modalidade da MP 936 é a redução de salários. Quais são os casos em que os salários podem ser reduzidos em 25%, 50% ou 75%?
Gabriel Uchoa -A redução de 25% poderá ser ajustada diretamente com o empregado. Para 50 e 70% de redução salarial e de jornada, a redução poderá ser negociada diretamente com os empregados que tenham salário de até R$ 3.135 (três salários mínimos) ou com os empregados que a CLT considera hiperssuficientes (que tenham diploma de curso superior e possuam salário de R$ 12.202,12 ou mais). Para redução de salário dos trabalhadores que ganham entre R$ 3.135,00 e R$ 12.202,12, será necessária a intervenção do sindicato.
A Praça – Em que situação na modalidade de ‘redução de salários’ em que as empresas terão que negociar com a participação dos sindicatos e não diretamente com os trabalhadores?
Gabriel Uchoa – Para redução de salário dos trabalhadores que ganham entre R$ 3.135,00 e R$ 12.202,12, será necessária a intervenção do sindicato.
A Praça – No caso da redução de salários, o complemento da remuneração do trabalhador vem do Governo Federal? De que maneira? O governo vai cobrir integralmente o percentual reduzido pelas empresas?
Gabriel Uchoa – A complementação vem do governo, no entanto, a base de cálculo para aplicação do percentual de redução vai ser o valor que ele teria direito ao Seguro Desemprego e não o seu salário na Empresa.
A Praça – Tendo os salários reduzidos os trabalhadores também terão as jornadas reduzidas? Como funciona o ‘Banco de Horas’?
Gabriel Uchoa – Para que fique claro o Banco de Horas é um sistema de compensação de Horas mais flexível onde a empresa reduz ou aumenta a jornada normal dos empregados durante um período para serem compensadas depois, sem redução do salário. No caso da MP 936, iremos reduzir tanto a jornada, quanto o salário, então nesse ponto específico não há que se falar em banco de horas.
A Praça – Mesmo com a Medida Provisória assinada pelo Presidente da República, já há sinais de considerável número de demissões em todo país. Quais são as situações em que a MP não atende e a empresa faz a opção pela demissão?
Gabriel Uchoa – No momento inicial muita empresa acabou se antecipando a MP 936 e dispensado seus funcionários. A referida medida abrange todos os empregados, absorvendo todas as faixas de salário, consequentemente protegendo os empregos e a continuidade da relação de trabalho. Com a entrada em vigor da medida esses números de desempregos em massa deram uma queda, basta averiguar que hoje já possuímos mais de 1 milhão de contratos suspensos e jornadas reduzidas, podendo chegar a 24 milhões dependendo do desenrolar do estado de calamidade. Não posso deixar de mencionar também que muitas empresas aproveitam o momento de crise para realizar as devidas dispensas com intuito de obter alguns benefícios no pagamento da rescisão em virtude do motivo de força maior. Para finalizar eu creio que a MP vai dá uma “freada” nas demissões, mas elas vão acabar sendo empurradas para mais tarde. Ainda temos um cenário de muita incerteza nos próximos meses, e muitas empresas vão continuar sem receita.
Gabriel Uchoa é advogado (OAB – CE 23.383), sócio do Escritório Silveira & Araújo Advogados, Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, Diretor da ACEATRA – Associação Cearense dos Advogados Trabalhistas
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