“Salvá-los das atrocidades que conduziram tantos povos indígenas ao extermínio… Salvá-los da apropriação de suas terras, da contaminação de suas águas e da dizimação da fauna e da flora que compunham o quadro da vida dentro da qual eles sabiam viver; mas cujo saqueio, desapropriação e corrupção convertem a eles também em mortos viventes. Salvá-los da amargura e do desengano, levados às suas aldeias, em nome da civilização, pelos missionários, pelos protetores oficiais, pelos cientistas e, sobretudo, pelos fazendeiros, que de mil modos lhes negam o mais elementar dos direitos: o de serem e permanecerem tal qual eles são”.
Essas palavras não foram proferidas nesta semana, nem neste mês ou neste ano; sequer neste milênio. São palavras de Darcy Ribeiro, em discurso, ao receber o título de doutor honoris causa da Sorbonne, em 1978. Portanto, faz isso 45 anos.
Amenizado entre 2003 e 2016, durante os governos do PT, o problema só se agravou nos últimos anos, até ganhar a dimensão de verdadeiro genocídio entre 2019 e 2022. Hoje, é revoltante o que ocorre ao povo yanomami; mas não só a ele, em que pese o estado de absoluta miséria a que foi particularmente largado durante o governo de Jair Bolsonaro.
Se diferentes governos foram em parte culpados, quando menos impotentes diante desse quadro de absoluta atrocidade, num tipo de incompetência ou omissão criminosa, resta inegável que nos últimos quatro anos, no conjunto de projetos e ações desastradas do pior de todos os governos de nossa história, os indígenas brasileiros foram objeto de prática genocida como política de Estado: o aumento de invasões e exploração ilegal de garimpo foi de algo próximo dos 200%, com autorização ilicitamente negociada de exploração de ouro em terras dos yanomamis ou próximas a elas; desvio de verbas destinadas à compra de medicamentos; apropriação indébita de vacinas em favor dos garimpeiros; violação de crianças e adolescentes indígenas e assassinatos de lideranças de sua comunidade, foram atos consentidos pelo governo bolsonarista ou por ele estimulados de forma desumana. Sua perversidade não pedia segredo, são inumeráveis as falas em que tornou explícitas suas intenções de dizimar os povos indígenas.
Originária de “geno” (grego: raça, classe) mais “cidio” (latim: matar), a palavra genocídio designa, entre outros sentidos, a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Estamos, pois, diante de um crime que não pode ficar impune, sob pena, como afirmou o líder yanomami Davi Kopenawa, de “o céu cair sobre nossas cabeças”.
No famoso salão das escadarias em que proferiu seu discurso, durante cerimônia em sua homenagem, na prestigiada universidade francesa, o etnólogo, antropólogo, romancista, educador, político e intérprete do Brasil, Darcy Ribeiro, agradecia o prêmio como forma de lhe compensarem por seus fracassos, entre eles, o de não ter podido salvar um povo em extinção. Confiante, visionário, guerreiro e amante do país, que dizia tratar-se da “mais bela província da Terra”, morreria afirmando que “Haveremos de Amanhecer”.
Mas continua a noite profunda, a noite sem fim, a noite criminosa! Até quando?
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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