“É a hora em que tudo, sabido ou não sabido, pesa como chumbo no espírito”
Dorothy Parker
É uma polida expressão inglesa para saber que horas são. Mas a tradução literal é muito mais forte e poética. “Como vai o inimigo?” What time is it? é para as almas jovens, superficiais. São a maioria no nosso tempo. Saber do inimigo, do nosso maior inimigo, é para os sábios, os cheios de cicatrizes. Sobretudo as da alma.
O inimigo é o tempo. Saturnus inexorabilis! Como vai o inimigo quer dizer, na elegante postura inglesa, o quanto ele te roubou, o quanto te modificou, o quanto falta para pertenceres à morte.
Venho de uma missa de sétimo dia e penso nestas coisas. Um amigo. O melhor dos amigos. Minha filha, que é médica, tentando consolar-me disse: “Pai, sei que você está muito triste. Mas o efeito do luto dura apenas um ano.” Ela é apenas uma menina. E está errada. O luto é para sempre!
Nunca me recuperarei da morte dele. A despeito disso, humanizou-me. Sinto mais as outras mortes. Visito doentes, vou a velórios e a mais missas votivas a defuntos. Rezar, sempre rezei muito. Continuo. Persigo o mistério do tempo – Mysterium temporis – Quem não?
O tempo nos torna veteranos afiados no atroz combate da vida. O termo vetus-veteris, adjetivo uniforme latino, significa “velho”. Está no radical do adjetivo “veterano –a”. Estamos todos em uma invisível trincheira. Talvez a esmo atingidos. Uns caem antes, outros mais tarde. Todos caem, afinal. Porém os velhos sabem mais da guerra de viver.
É preciso austeridade e decoro para lidar com o tempo. Não se dê a folguedos, a tolos risos – bom leitor – quando envelhecer. Uma casa velha pintada ainda é uma casa velha. Não procure a juventude, a saúde, o vigor dos passados anos. Não virão. É ridículo, por exemplo, apaixonar-se na velhice.
Ritos e preces oficiemos na senecta idade. Sejamos lentos e solenes. Hieráticos e dolentes como convém a sobreviventes. Celeridades, efemeridades e expansões evitemos. E sobretudo as mudanças. O tempo é o pai das mudanças e o condutor da morte. A companhia dos velhos livros e do álcool sempre consolador são lenitivos confiáveis. E com sincero afeto cultuemos as almas queridas que partiram…
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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