Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)
Nesse ano de intensa movimentação política municipal, analisar a história das eleições de Iguatu talvez nos possibilite um olhar crítico entre um passado e uma expectativa de futuro que possa ser construída amparado em um presente mais consciente.
Não é raro encontrar nas fontes históricas, especialmente na imprensa do estado, de fins do século XIX e primeira metade do século XX, matérias sobre os conflitos políticos envolvendo a cidade da Telha, posteriormente cidade de Iguatu.
O ano de 1928 chama especial atenção tanto pelo evento em si como pela abordagem exaustiva por parte da imprensa. Trata-se do assassinato de Paulo Brasil, anunciado pela imprensa como um assassinato político.
Para analisar tal caso, reuni um total de 13 matérias publicadas nos jornais de circulação estadual O Ceará e A Esquerda, dos quais destaco trechos e convido o leitor a refletir comigo.
Era uma quarta-feira de 25 de abril de 1927, no coração da cidade – Praça da Matriz – e horário ainda movimentado, conforme descreve O Ceará (ed. 863, de 26 de abril de 1928) 19h15 -, quando Paulo Brasil foi “crivado de balas”, ou ainda “traiçoeiramente fuzilado por criminosos a serviço da politicagem”. Em matéria publicada para relembrar um ano da morte do referido político, o jornal não apenas afirma se tratar de um crime político que vai da “politicagem local” e beneficia o governo estadual, como se indigna com a morosidade da polícia que até o momento não conseguiu descobrir quem matou Paulo Brasil ou quem foi seu mandante intelectual. Assim, o jornal afirma:
“O assassinato foi politico. Desde o primeiro momento formou-se a convicção de que os homicidas haviam sido apenas instrumentos assalariados da politicagem local.
Posteriormente, as declarações de Paulo Brasil, no leito de morte, as suas cartas a nós dirigidas nas vesperas do crime, tudo veiu confirmar que a sua eliminação obedecera a um perverso plano politico, desses em que é farta a historia dos partidos cearenses.
Os seus adversários não lhe perdoavam a interferencia na politica de Iguatu, interferencia de que resultou a victoria legal dos democratas na constituição do governo municipal. Victorioso, Paulo Brasil, pelas suas relações de familia com o futuro presidente, saberia manter as posições conquistadas, fechando o cyclo das esperanças dos seus inimigos.”
Ao que parece, Paulo Brasil era natural de Cedro, mas atuava no cenário político iguatuense junto aos democratas e ainda aliado do iguatuense José Carlos de Matos Peixoto, que viria a se tornar presidente do Ceará (cargo atualmente denominado de governador), a partir de julho de 1928, ao vencer seu opositor Moreira da Rocha.
Mas a matéria vai além das acusações de crime político, dando a entender que o próprio presidente do Estado se beneficiava dos atos violentos que aconteciam pelo interior do estado, ceifando vidas especialmente de seus opositores políticos. Para o jornal, era evidente que Rocha era o mentor indireto do crime pela maneira como lidou com as investigações. “Despachou para o Iguatu uma das mais altas autoridades policiaes do Estado, querendo, com esse gesto, dar a entender que havia ligado ao caso o maximo de attenção”. Destacou um “novato no cargo de delegado de policia da capital”, o sr. Paulo Pêssoa que, segundo o jornal, teve uma atuação completamente inútil na resolução do caso. “A conclusão a tirar-se do facto é que o delegado do governo ou é incapaz para as funções que lhe foram confiadas ou apenas fingiu cumprir o seu dever, interessando-se, de facto, pela salvação dos amigos politicos envolvidos no crime.”
O jornal O Ceará, que afirma se tratar de um crime “perversamente premeditado”, parecia manter contato com Paulo Brasil que “dava noticias dos tenebrosos planos archetetados contra sua vida”. E afirma que o governo, apesar de estar “bastante informado do irrespiravel ambiente de então em Iguatu”, nada fez para “evitar a barbaria projectada”.
As investigações parecem ter ganhado maior movimentação somente no ano de 1928. E ao lado das investigações oficiais, o jornal O Ceará se posiciona fazendo investigações paralelas, destacando espaços não apenas para informar aos leitores sobre o desenrolar do caso junto à polícia, mas também publicando depoimentos e cartas enviadas por pessoas mantidas presas enquanto transcorre as apurações dos fatos.
Entre os suspeitos da ação criminosa e/ou de seu possível mandante intelectual estão nomes famosos de cangaceiros, inimigos políticos e comerciantes em Iguatu, além de coronéis de cidades vizinhas – o que demonstra uma intensa movimentação na região. Dito à “bocca pequena”, o burburinho pela cidade era de “um tal Monteiro” – José Carlos de Monteiro (ed. 915, de 28 de junho de 1928) – que apontado “como um dos assassinos do inditoso moço Paulo Brasil” acusou como mandante do crime o cel. Octaviano Benevides.
Octaviano Benevides era natural da cidade de Maria Pereira (atual Mombaça), mas fixou residência na cidade de Iguatu a partir de 1915 e se tornou um “dos expoentes da área empresarial, participando ativamente de todos os acontecimentos da sua nova terra, envolvendo seus conhecimentos e atividades notadamente no campo socioeconômico e político do Iguatu de então” (Verde: 2011: 278). De acordo com o historiador Wilson Holanda Lima Verde (2011), Benevides era possuidor de um complexo industrial de beneficiamento de algodão e reconhecida carreira política entre os anos de 1920 e 1935. Como membro do partido Republicano, no qual também foi presidente, concorreu e venceu as eleições municipais de 1926, mas foi impossibilitado de assumir por se encontrar em débito com o erário público. Sobre o ano de 1927, Lima Verde relata apenas sua participação ativa na realização do primeiro Congresso Algodoeiro Regional, nada descrevendo a respeito do seu possível envolvimento ou não no assassinato de Paulo Brasil.
Publicado no jornal O Ceará, saiu em defesa de Octaviano Benevides, seu irmão e prefeito de Maria Pereira, Jayme de Alencar Benevides. Na entrevista publicada na ed. 915, de 28 de junho de 1928, Jayme afirma ser “infundado e revoltante […] essa calumnia contra a honra do meu irmão, industrial e commerciante opulento, homem cordialissimo a que jámais se attribuiu a resposabilidade do menor crime”, ainda que reconheça a “desintelligencia” entre seu irmão e Paulo Brasil como “de ordem meramente politica”. E complementa: “Nunca se registraram entre elles questões pessoaes, que podessem dar a um desabafo criminoso”. O entrevistado afirma ainda não acreditar que se trata de um crime político, pois a derrota do seu irmão nas eleições foi “oriunda da interpretação juridica dada ao caso pela maioria do Superior Tribunal de Justiça” do que por intervenção de Paulo Brasil. Apesar da acusação feita pelo suspeito José Monteiro, e da entrevista feita com Jayme Benevides, o nome de Octaviano Benevides não mais aparece citado nas demais matérias analisadas.
(Continua…)
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