Kafka e o seu inseto

22/11/2024

‘‘Como é que uma coisa assim pode acometer um homem? Ainda ontem à noite estava tudo bem comigo, meus pais sabem disso, ou melhor: já ontem à noite eu tive um pequeno prenúncio. Eles deviam ter notado isso em mim.’’ – Franz Kafka, A metamorfose.

 

“A Metamorfose”, escrita por Franz Kafka (1883-1924) em 1915, é uma obra-prima da literatura modernista que continua a fascinar e perturbar leitores até hoje. Nesta crônica, explorarei a análise dessa obra, que desvenda a desumanização do indivíduo em uma sociedade burocrática e alienante.

A história começa com a transformação misteriosa de Gregor Samsa, um vendedor de tecidos, em um inseto gigante. Essa metamorfose não é apenas física, mas também simbólica. Gregor se torna um ser marginalizado, excluído da sociedade e da própria família.

Kafka explora a desumanização do indivíduo em uma sociedade que desvaloriza a humanidade do indivíduo quando não o considera mais útil. Gregor, agora um inseto, é tratado como um objeto, um estorvo para a família e a sociedade. Sua identidade é perdida, e ele se torna um “outro”, um ser estranho e incompreensível.

A metamorfose de Gregor também representa a alienação do indivíduo em uma sociedade desprovida de afeição para como o seu semelhante. Ele se sente isolado e desconectado da família e da sociedade, refletindo a experiência de muitos indivíduos em uma contemporaneidade essencialmente doentia.

Kafka critica a burocracia e a rigidez das instituições sociais, que sufocam a individualidade e a criatividade. A empresa onde Gregor trabalha é uma estrutura impessoal e opressora, que não se importa com a condição humana de seus funcionários.

“A Metamorfose” é uma obra complexa e ambígua, que resiste a interpretações simplistas. Kafka explora temas como a identidade, a alienação, a desumanização e a condição humana, sem oferecer respostas fáceis.

Este livro é uma obra-prima da literatura modernista que continua a desafiar e inspirar leitores. Kafka, morto pela tuberculose há exatamente cem anos, nos mostra que a desumanização do indivíduo é um risco constante em uma sociedade de valores deturpados. A metamorfose de Gregor Samsa é um lembrete sombrio da importância de preservar a nossa humanidade em um mundo cada vez mais complexo e alienante.

 

Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História

MAIS Notícias
O livro do filho – final
O livro do filho – final

[...] A sensação de que precisava vivenciar aquela experiência mística novamente levou o velho a inúmeras incursões no interior de si mesmo. Encontrou, dentro de si, as respostas, o consolo de que precisava para, quando chegasse a sua hora, morrer em paz. A ideia de...

O livro do filho – parte III
O livro do filho – parte III

  [...] Recobrado do pranto lavador da alma, pranto que fora acometido mediante as saudosas lembranças de sua amada esposa, o senhor pôs-se, ao olhar para o livro, antes de escrever nele qualquer coisa, a lembrar do filho enquanto um ser vivente independente,...

O livro do filho – parte II
O livro do filho – parte II

O senhor fora acordado, no dia seguinte, cedinho, por uma fina neblina que caia em seu telhado. Por haver, ali, algumas goteiras, a água respingou em seu rosto. Disposto, feliz e revigorado pela experiência que teve no dia anterior, o velho tratou logo da sua higiene...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *