“… Non pude eu mais, ca, se aqui cuidasse a morrer…”
A Demanda do Santo Graal
Contam as priscas sagas do Ciclo Bretão sobre Lancelot du Lac, intimorato cavaleiro de Camellot, que certa vez encontrou-se em um misterioso cemitério. Por um certo privilégio de encantamento, foi-lhe dado adentrar em tal lugar, diríamos, antes do tempo. Era o Cemitério Futuro, um campo de mortos aparentemente comum, mas que trazia as datas de nascimento e morte dos cavaleiros cobertas com um elmo. Só depois de cumprida a missão, o herói poderia entrar ali e ver o seu próprio túmulo. Lancelot, graças a um sortilégio, pôde ver a sua própria sepultura, mas não teve coragem de levantar o elmo que cobria as datas cruciais.
Ponha-se o leitor, com um pouco de piedade, no lugar de Lancelot. Imagine-se em seu próprio “Cemitério Futuro “. O que faríamos se soubéssemos o dies mortis nostrae? O dia da nossa morte? Divaguemos…
Talvez esta revelação, fosse em qual fosse o momento de nossa existência, nos esmagasse de tal forma que ficaríamos paralisados à espera da Inexorável! Talvez…
Ou poderíamos, muito ao contrário, ressignificar cada instante dos nossos dias e vivê-los com total intensidade. Uma espécie de extremo e desesperado Carpe Diem! Talvez…
A revelação sobre a data da nossa morte poderia nos levar a uma crença total na Providência, no Primus Movel et Motor, de que fala Santo Tomás de Aquino. Afinal, somente um Divinus Creator poderia conceber o homem com um tempo e finalidade próprias e exatas a fim de cumprir algo, alguma missão. Talvez…
Ou poderíamos ser totalmente ateístas, sem nenhuma possibilidade de crença em permanência após a nossa “conhecida” morte. Não seria razoável que um Sapiens Deus criasse o homem com uma sentença condenatória de extermínio. Por que não o criaria para ser eterno?
Voltando a Lancelot du Lac, sabemos pelas narrativas bretãs que sobreviveu à visão do Cemitério Futuro. Peregrinou em busca de embates e desafios como expiação para os seus pecados. Ele havia traído gravemente a confiança do Rei Arthur ao se envolver passionalmente com a Rainha Guinevérre. Lancelot terminou os seus dias como um pobre eremita, sem jamais ter podido ver o Santo Graal.
Os deuses pagãos, diziam os antigos, davam com uma mão e com a outra tiravam. Eram a um só tempo dádiva e maldição. Vermos o nosso Cemitério Futuro seria assim, na minha parva opinião. Dom, porque nos alertaria, nos estimularia, nos faria viver in maximis. Maldição, porque nos faria crer que somos órfãos da verdade; criaturas soltas ao acaso, “cadáveres adiados que procriam”, como escreveu Fernando Pessoa.
Talvez……………………
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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