LANCELOT NO “CEMITÉRIO FUTURO”

23/10/2021

“… Non pude eu mais, ca, se aqui cuidasse a morrer…”

A Demanda do Santo Graal

Contam as priscas sagas do Ciclo Bretão sobre Lancelot du Lac, intimorato cavaleiro de Camellot, que certa vez encontrou-se em um misterioso cemitério. Por um certo privilégio de encantamento, foi-lhe dado adentrar em tal lugar, diríamos, antes do tempo. Era o Cemitério Futuro, um campo de mortos aparentemente comum, mas que trazia as datas de nascimento e morte dos cavaleiros cobertas com um elmo. Só depois de cumprida a missão, o herói poderia entrar ali e ver o seu próprio túmulo. Lancelot, graças a um sortilégio, pôde ver a sua própria sepultura, mas não teve coragem de levantar o elmo que cobria as datas cruciais.

Ponha-se o leitor, com um pouco de piedade, no lugar de Lancelot. Imagine-se em seu próprio “Cemitério Futuro “. O que faríamos se soubéssemos o dies mortis nostrae? O dia da nossa morte? Divaguemos…

Talvez esta revelação, fosse em qual fosse o momento de nossa existência, nos esmagasse de tal forma que ficaríamos paralisados à espera da Inexorável! Talvez…

Ou poderíamos, muito ao contrário, ressignificar cada instante dos nossos dias e vivê-los com total intensidade. Uma espécie de extremo e desesperado Carpe Diem! Talvez…

A revelação sobre a data da nossa morte poderia nos levar a uma crença total na Providência, no Primus Movel et Motor, de que fala Santo Tomás de Aquino. Afinal, somente um Divinus Creator poderia conceber o homem com um tempo e finalidade próprias e exatas a fim de cumprir algo, alguma missão. Talvez…

Ou poderíamos ser totalmente ateístas, sem nenhuma possibilidade de crença em permanência após a nossa “conhecida” morte. Não seria razoável que um Sapiens Deus criasse o homem com uma sentença condenatória de extermínio. Por que não o criaria para ser eterno?

Voltando a Lancelot du Lac, sabemos pelas narrativas bretãs que sobreviveu à visão do Cemitério Futuro. Peregrinou em busca de embates e desafios como expiação para os seus pecados. Ele havia traído gravemente a confiança do Rei Arthur ao se envolver passionalmente com a Rainha Guinevérre. Lancelot terminou os seus dias como um pobre eremita, sem jamais ter podido ver o Santo Graal.

Os deuses pagãos, diziam os antigos, davam com uma mão e com a outra tiravam. Eram a um só tempo dádiva e maldição. Vermos o nosso Cemitério Futuro seria assim, na minha parva opinião. Dom, porque nos alertaria, nos estimularia, nos faria viver in maximis. Maldição, porque nos faria crer que somos órfãos da verdade; criaturas soltas ao acaso, “cadáveres adiados que procriam”, como escreveu Fernando Pessoa.

Talvez……………………

Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)

MAIS Notícias
ANTIGOS ADÁGIOS LUSITANOS
ANTIGOS ADÁGIOS LUSITANOS

“Nunc mitibus quaero mutare tristia” Horatius   É cousa conteste que a obra do disserto Pe. Manuel Bernardes (1644-1710) configura-se como um dos ápices do Seiscentismo português e da própria essência vernacular. Autor de forte índole mística, consagrou toda a vida ao...

Recordatio Animae
Recordatio Animae

     “... E eu sinto-me desterrado de corações, sozinho na noite de mim próprio, chorando como um mendigo o silêncio fechado de todas as portas.” Bernardo Soares   Este poente de sonho eu já vi; As tardes dolentes e o luar... As velhas arcadas mirando o mar......

QUIDVE PETUNT ANIMAE?
QUIDVE PETUNT ANIMAE?

(Virgilius)   Lux! E jamais voltar ao sono escuro À sede da matéria... Ser uma sombra etérea, Ser o infinito o único futuro!   Não lembrar! Ter a inocência da água; Ser pedra eternamente! Tal qual o mar onde o rio deságua Em música silente......

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *