A professora do curso de pós-graduação em Artes (UFC) e do curso de Música (UECE), Lu Basile é a curadora de uma exposição sobre a trajetória e obra do músico e poeta iguatuense Humberto Teixeira. Com o tema: “Quando o sertão ganhou o mar – a obra de Humberto Teixeira”, a exposição com acesso gratuito ao público fica em cartaz até março de 2024. Os detalhes da pesquisa e recorte conceitual, escolha das peças, narrativas e roteiro expositivo, concepção de interações são da professora e têm a concepção da expografia assinada por André Scarlazzari. Lu Basile fala em entrevista exclusiva para o jornal A Praça
A Praça – Com que objetivos foi organizada a exposição sobre o músico e poeta iguatuense Humberto Teixeira? Qual o período e o local?
Lu – O Museu da Imagem e do Som do Ceará Chico Albuquerque está com a guarda do acervo do compositor Humberto Teixeira que foi adquirido pela Secretaria da Cultura do Estado, em 2015. São álbuns de fotografia, partituras, discos e manuscritos. A exposição emerge como uma demanda da sociedade sobre a necessidade de conhecer a Coleção Humberto Teixeira. Isso só foi possível porque o MIS, que passou por um período de reformas e construção do seu anexo, hoje se encontra com um prédio totalmente construído para abrigar essa nova fase que também conta com equipe especializada em acervos. Portanto, o Acervo Humberto Teixeira passou por um processo de inventário, catalogação etc. que culminou nessa exposição. Agora, sem dúvida, o objetivo maior é trazer à luz a importância desse grande cearense, que poucos conhecem como compositor, como político, autor de leis do Direito Autoral, entre muitas outras coisas importantes que ele realizou. Uma figura de expressão nacional que precisa e deve ter seu espaço para ser conhecido por todos.
A Praça – O que os visitantes da exposição podem apreciar de Humberto?
Lu – A exposição traz uma linha do tempo com uma breve biografia, músicas, fotografias e partituras, anotações de poesias. O público poderá conhecer quem era Humberto antes das parcerias de sucesso com Luiz Gonzaga e Lauro Maia. Quais músicas ele compôs antes da década de enorme repercussão do baião. Poderá conferir sua atuação como político quando ele fez leis que favoreceram a circulação da música brasileira no exterior. Conhecerá as musas das canções “Kalú” e “Dono dos teus olhos”, a casa de Mangaratiba, enfim, uma seção com os principais sucessos dos baiões e traços ainda pouco conhecidos de Humberto. A exposição é bem interativa, com possibilidade de escutar o repertório, entre outras surpresas.
A Praça – Como a senhora trabalhou para reunir este acervo sobre a vida e carreira de Humberto Teixeira?
Lu – Foram aproximadamente 10 meses de pesquisa no acervo. Mas não só, percorri outras fontes bibliográficas também. Contei com assistentes, primeiro buscamos identificar qual era a vocação do acervo, ou seja, o que ele traz como característica. No caso deste acervo, ele foi organizado por Humberto com auxílio das irmãs Glaura e Ivanira, portanto é uma espécie de escrita de si, ou seja, a maneira como gostaria de ser lembrado. Traz a maior parte das fontes das décadas de 1940 a 1965, que correspondem ao auge de sucessos do compositor. Precisamos pesquisar bastante para identificar as pessoas nas fotografias, examinei os manuscritos musicais e muitos álbuns com recortes de jornais e revistas com matérias sobre Humberto. O recorte da exposição focou essa realização dele como um articulador cultural e compositor, ou seja, aquele responsável pela chegada do baião em diversos continentes, pela mediação entre a cultura popular – a música da tradição e a música urbana. São muitas as realizações de Humberto, que é uma personalidade multifacetada. Espero que jovens pesquisadores possam se debruçar sobre essa coleção e revelar este artista iguatuense na sua grandiosidade e aspectos, sociais, históricos, culturais, artísticos e literários.
A Praça – Qual o público que está conhecendo a exposição? Dá para perceber a presença do público jovem que ainda desconhece o compositor?
Lu – Sim, há muitos jovens que visitam o MIS, sobretudo porque é um prédio muito atrativo, com uma arquitetura moderna incrível, sala imersiva com tecnologia que surpreende a todos. A exposição foi pensada para todas as idades. Há um corredor expositivo no andar 2 onde as crianças podem interagir com a representação dos pássaros e das árvores mencionados na obra de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga.
A Praça – Qual tem sido a reação do público ao se deparar com o acervo sobre o poeta iguatuense Humberto Teixeira?
Lu – Eu não acompanho o dia a dia da visitação no MIS, mas tenho retorno de pessoas próximas que visitaram. De modo geral, as pessoas não conhecem Humberto compositor. Se surpreendem ao saber da variedade de gêneros que ele compôs, das parcerias diversas, de como ele foi importante e ativo lutando pela música brasileira, pela classe artística no Congresso Nacional e como membro da União Brasileira de Compositores. E, também, que era uma pessoa agregadora, agradável, brilhante.
A Praça – De que forma foi preparada a representação da ave símbolo do nosso sertão, a asa branca, imortalizada na letra de Humberto, musicalizada e interpretada por Luiz Gonzaga?
Lu – Na exposição há passarinhos entre os quais o assum preto e a asa branca que estão lindamente representados e com movimentos. Espero que possam ser visitados pelos iguatuenses.
A Praça – Humberto Teixeira compôs sozinho a letra de “Asa Branca”, Luiz Gonzaga musicalizou e gravou. Hoje em dia, na maioria absoluta das ocasiões em que a música é tocada, cantada, interpretada, esquece-se do autor e só o nome do intérprete é lembrado. Isso não causa uma certa incomodação? O que poderia ser feito para corrigir este erro histórico?
Lu – De fato, Humberto ficou subsumido com essa prática e poucos se recordam que ele também é o autor desses clássicos. Isso acontece pelo fato de ele não ter sido um performer, no sentido de se apresentar. Ele não era essa pessoa do palco, mas era o compositor. Muitos compositores ficam à sombra, infelizmente, justamente por não se apresentarem. Acho que hoje com meios digitais, internet isso pode ser amenizado. O conhecimento e a informação estão mais acessíveis. Penso que a valorização dos artistas deve ser resultado de uma ação contínua e permanente pelos gestores culturais, pelos sistemas de comunicação, pela imprensa, pelos formadores. Tudo isso é uma forma de educar e garantir a valorização do patrimônio material e imaterial da nossa cultura.
A Praça – É intenção dos organizadores percorrer também as cidades do interior, com a exposição?
Lu – Bem, não posso falar pelo MIS, eu fui convidada para esse trabalho de curadoria. Mas imagino que, havendo as condições de montagem, seria maravilhoso e uma grande ação pela memória de Humberto.
Contato
Instagram: @basile_lu
E-mail: Basile.lu@gmail.com
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