Nesta semana, mais precisamente no dia 13, Luiz Gonzaga faria 110 anos. Hoje uma unanimidade, mesmo aos olhos da crítica mais exigente, o velho Lua não teve seu nome reconhecido por todos da noite para o dia. Antes pelo contrário, excetuando-se o público nordestino e uns poucos gatos pingados do Sul maravilha, quase sempre voltados mais para o exotismo de sua figura, Gonzagão comeu o pão que o diabo amassou para se fazer notar pela excelência de sua música, do seu acordeom e de sua voz inconfundível. Muito do sucesso conquistado, é justo frisar, devendo-se ao talento de alguns de seus parceiros, com destaque para o pernambucano Zé Dantas e o cearense de Iguatu Humberto Teixeira.
Dessas parcerias, pois, é que surgiu no conjunto de sua vasta produção o que existe de mais relevante em diferentes ritmos e estilos, do baião ao xaxado, do chamego à toada, do xote ao aboio (e improvisações diversas), todos eles, muito embora populares e nascidos do pé de serra, elevados ao fim e ao cabo ao mais alto nível em termos rigorosamente estéticos. Não é muito afirmar-se, assim, que Luiz Gonzaga antecipou-se a outras manifestações e movimentos pretensamente renovadores, a exemplo da bossa nova, da Jovem Guarda e do Tropicalismo, desconsiderando-se aqui, claro, descompassos de natureza estética, mercadológica ou político-ideológica entre um e outro.
O fato é que, como destacou o renomado crítico e historiador Tárik de Souza, “com seu acauã, assum preto, asa branca, o siri jogando bola, o jumento nosso irmão, Gonzaga povoou o imaginário concreto das cidades sem campos e espaços até que o reinado do baião fosse abalroado pelos semitons dos refinados desafinados”.
O crítico, numa avaliação que excede em rigor analítico, como deixa ver a referência depreciativa aos joões da bossa nova, não esquece de ressaltar, contudo, no mesmo ensaio, que esse “abalroamento” não significa o fim do prestígio de Luiz Gonzaga. Muito embora estilizada, em acordes dissonantes e procedimentos experimentais muitas vezes ousados, a música de Luiz Gonzaga ecoa na paridade do rock binário e na retomada identitária brasileira dos baianos, nomeadamente liderados por Caetano Veloso, Capinam, Tom Zé e, sobretudo, Gilberto Gil, talvez o nome da melhor MPB mais influenciado pelo artista pernambucano. E nas apresentações do próprio Gonzagão, evidencie-se, gozando a essa altura de prestígio inconteste em sua voz e roupagem mais autênticas, não raro brilhando em duetos que entrariam para o que de melhor se pôde ver no show business nacional.
No ano em que faria 110 anos, Luiz Gonzaga vem sendo homenageado em diferentes linguagens, shows, programas de tevê, exibição de filme (disponível em DVD e na GloboPlay o belíssimo Gonzagão, de Breno Silveira, cineasta falecido há pouco) e livros. Entre estes, ombreando-se ao clássico Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga, de Dominique Dreyfus, já disponível na Internet o notável Luiz Gonzaga 110 Anos, trabalho sofisticadíssimo do cearense Paulo Vanderley.
Pouco antes de sua morte, em 1989, este colunista realizou longa entrevista com o rei do baião, cujo conteúdo, oportunamente, será explorado neste espaço. Viva Luiz Gonzaga.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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