Luiz Perpétua: 110 anos de nascimento de uma lenda

Luiz Perpétua foi um dos pioneiros no setor. Não tinha receita específica de nenhum tipo de pão, mas dominava a arte de misturar massa e outros ingredientes e tirar pães assados, que agradou por décadas gerações inteiras.

02/01/2021

Se ainda estivesse entre nós, Luiz Pedro de Souza, ‘Luiz Perpétua’, completaria 110 anos de nascido, no próximo dia 24 deste mês. Ele fazia aniversário um dia antes do aniversário de Iguatu, 25 de janeiro. Nasceu em 1911, ainda criança ganhou esse apelido de ‘Luiz de Perpétua’. Foi quando ficou órfão de pai e logo cedo precisou trabalhar para ajudar em casa. Sua genitora, Perpétua, que além dele tinha outros dois filhos, Maria e Expedito, foi quem lhe deu o apelido, por inspiração do sobrenome dela, ‘Perpétua’. Maria era a filha mais velha, com cerca de 9 anos, Expedito era de colo, Luiz não tinha nem completado oito anos direito quando teve a primeira oportunidade de emprego na panificadora de Sabino Antunes. Também foi lá onde sofreu um acidente de trabalho com quando teve três dedos da mão esquerda decepados por um cilindro de sovar massa. Naquela época nem tinha completado 18 anos.

Em 1934 casou-se com a senhora Expedita Aquino de Oliveira, companheira que viveu ao seu lado por toda a vida e lhe deu dez filhos: Raimunda, Maria Perpétua, José Aquino, Francisco (Fran Aquino), Pedro, Luiz Aquino, Manoel Elier, Enilce (in memorian) e Cícero (doutor).

Para lembrar a data, os filhos colocaram uma placa comemorativa na porta que dá acesso ao interior da padaria fundada pelo pai ainda na década de 1950, cujo nome era padaria São José. O prédio atual fica na Avenida Agenor Araújo, perto de outro endereço marcante para a família, no cruzamento da Rua Eduardo Lavor com Agenor Araújo (onde está situado hoje o Mercantil Leandro). Naquela esquina funcionou a primeira padaria fundada por Luiz Perpétua, após ter trabalhado por uma década nos municípios de Orós, depois Icó, para adquirir mais experiência na arte da panificação e também os equipamentos que precisava. A placa no prédio da Agenor Araújo, onde funciona a padaria ‘Luiz Perpétua’, lembra os 70 anos do início das atividades dele no ramo da panificação.

Autodidata

Luiz Perpétua foi um dos pioneiros no setor. Não tinha receita específica de nenhum tipo de pão, mas dominava a arte de misturar massa e outros ingredientes e tirar pães assados, que agradou por décadas gerações inteiras. O legado dele ficou e sua arte tem continuidade pelos herdeiros em dois empreendimentos, na área da panificação, na Avenida Agenor Araújo e Floriano Peixoto.

Tendo sido um homem que estudou pouco, por falta de oportunidade, mesmo assim como autodidata que era, aprendeu sozinho a ler e ter domínio sobre a matemática, a arte dos números. Em 2017, um dos filhos de Luiz Perpétua, José Aquino de Souza, engenheiro civil, escreveu de próprio punho, com todos os detalhes a biografia do pai. Num dos trechos do texto ‘Retalhos de uma Biografia Luiz Perpétua’, ele fala de como seu genitor conseguiu dominar a escrita, numa época desafiadora da sociedade, quando só tinha acesso à escola quem tinha o poder aquisitivo elevado. “Como exímio observador, soubera contar, somar e multiplicar de cabeça, sem nunca ter visto uma tabuada. Como autodidata perspicaz e curioso, aprendera a ler através das bulas de remédios e das placas comerciais perguntando a um e a outro, os nomes ali escritos. Depois de decorar cada nome, tentava reproduzi-lo em papel, letra por letra. No início, para muitos, as letras escritas por ele eram apenas traços inelegíveis, mas para Luizinho, elas representavam o verdadeiro significado da palavra”.

Caridade, amor e compaixão

Mas seus maiores legados não se resumem apenas à arte que ele dominou tão bem, de fazer o pão, mas principalmente à educação dos filhos (sua herança mais prodigiosa) e seus atos de caridade e compaixão. Isso está registrado em dois episódios de sua vida. Num deles, em 1958 quando ocorreu grande seca e a população sofreu com a fome que se alastrou, certo dia a cidade de Iguatu foi tomada por homens (rurícolas), com fome, armados de foice, enxada, roçadeira, picaretas, facão e ameaçavam saquear o comércio. Todos os comerciantes da época fecharam seus estabelecimentos, menos ele. Sabendo da invasão, mandou dobrar a produção de pães, chamou os famintos e distribuiu pães, cocada e água em abundância para todos. Naquele dia, os agricultores voltaram para suas casas, fartos e não houve quebra-quebra. Num outro dia, Luiz Perpétua socorreu um homem desconhecido que agonizava numa calçada do centro após ter sido esfaqueado e estando à beira da morte, com as vísceras à mostra, enquanto os curiosos que estavam ao redor aguardavam aos burburinhos que o homem desse o último suspiro, Luiz chamou um carroceiro e levou de carroça o desconhecido para o hospital. Tendo o ‘esfaqueado’ sobrevivido, Luiz Perpétua o levou para sua casa e contratou uma enfermeira, dona ‘Mimosa’, para cuidar de seus ferimentos, até que o homem se recuperasse totalmente.

Legado

Luiz Perpétua faleceu em 12 de outubro de 1981, após convalescer por diabetes. O que ficou de sua trajetória foi seu nome como uma marca associada aos produtos que ele criou e lançou, ‘os pães da padaria de Luiz Perpétua’. A frase deixada por ele: “O pão é sagrado, alimenta o corpo e sustenta a família”, está na placa em sua homenagem na entrada do prédio onde ele viveu e construiu sua história. Mais do que isso, ficaram seus atos de solidariedade e dedicação a quem lhe buscava abrigo ou alimento. Seus gestos de caridade, amor e compaixão para com o próximo se sobrepõem a todos os outros e se consolidam como seu maior legado.

 

RETALHOS DE UMA BIOGRAFIA (Luiz Perpétua)

 

*Por José Aquino de  Souza

 

Luiz Pedro de Souza nascera em 24 de janeiro de 1911 na cidade de Iguatu Região Centro-Sul do Ceará. Ficara órfão de pai ainda nos primeiros anos de vida e fora obrigado a trabalhar antes mesmo de completar os oito anos de idade, para ajudar à sua mãe Dona Perpétua, uma simples lavadeira de roupas, à sua irmã Maria, com pouco mais de dois anos mais velha e Expedito, um irmãozinho de colo.

Luiz de Perpétua entrara na padaria de Sabino Antunes, ainda criança, como ajudante para limpar o salão e arrumar os tabuleiros de pães. Luizinho era um garoto prodígio e o seu desejo ia mais longe. Em pouco tempo dominara a arte de fazer pão só pela observação do processo. Como exímio observador, soubera contar, somar e multiplicar de cabeça, sem nunca ter visto uma tabuada.  Como autodidata perspicaz e curioso, aprendera a ler através das bulas de remédios e das placas comerciais perguntando a um e a outro, os nomes ali escritos. Depois de decorar cada nome tentava reproduzi-lo em papel, letra por letra. No início, para muitos, as letras escritas por ele eram apenas traços inelegíveis, mas para Luizinho, elas representavam o verdadeiro significado da palavra. E quando alguém lhe criticava a caligrafia, ele se contrapunha dizendo que “tinha letra de doutor de medicina”…

Antes de completar 18 anos, Luiz de Perpétua sofreu um acidente de trabalho. Enquanto sovava a massa de pão no cilindro naquele dia, o rolo de aço da máquina engolira uma das suas mãos e decepara três dos seus dedos. O médico que o operou teve que costurar os seus dedos e juntar os tecidos dilacerados da palma da mão sem anestesia. Ele contava que o médico mergulhara a sua mão em água quente, fizera a assepsia com álcool, e depois prendera o pulso para conter o sangue durante a operação de remendar os estragos.  A mão esquerda perdera quase completamente a mobilidade e o domínio dos dedos restantes. Como não poderia deixar de trabalhar, e teve que retornar a atividade de fazer pão, num esforço extremo e pouco tempo depois, já estava trabalhando.

No ano de 1932 uma grande seca abateu sobre o sertão cearense. Não houve safra naquele ano. No campo, gados e homens morriam de fome e sede. Na cidade, muitos perdiam o emprego. Desempregado e arrimo de família, Luiz de dona Perpétua acompanhou a fileira de retirantes pela estrada afora em busca de alternativas. Chegando à vizinha cidade de Acopiara, depois de dois dias de fome, ele buscou a única padaria local e pediu trabalho em troca de comida…

Trabalhou por mais de ano nessa padaria e o seu proprietário ainda implorou para que ele ficasse por mais algum tempo. Luiz Perpétua, como era agora chamado, agradeceu muito, mas dissera que iria seguir o seu destino e ainda lhe prometera que, em troca de sua acolhida enquanto vida tivesse, “jamais deixaria alguém passar fome à sua porta”.

Em 1934 casou-se com Expedita Aquino de Oliveira que lhe deu dez filhos e a tranquilidade de vida que ele precisava. Dona Expedita, conhecedora da sua história e detentora de seus anseios, fora a fiel companheira que o ajudou a cumprir literalmente a sua promessa. Qualquer pedinte que batesse à sua porta, não só recebia o prato de comida, como também, muitas vezes, chegava até se hospedar por vários dias em sua casa.

Certa vez, naqueles tempos de violências em Iguatu, num dia da feira do sábado, seu Luiz viu uma multidão de curiosos em torno do corpo de um homem, deitado no chão da calçada do prédio do “Motor da Luz”, esvaindo-se de sangue. Todos pareciam apenas aguardar o ultimo suspiro do moribundo. Seu Luiz vendo o estado do homem, imediatamente contratou uma “carroça de burros” e, ajudado pelo carroceiro, pôs o desconhecido no tablado da carroça e o levou para o hospital Agenor Araújo. Lá o homem foi internado e operado das 17 facadas que recebera. Depois, seu Luiz não só pagou as despesas hospitalar da vítima, mas também não sabendo para onde levá-lo, trouxe-o para convalescência em sua própria casa, deixando à mercê de sua esposa os cuidados com o preparo das refeições recomendadas pelos médicos e com a enfermeira contratada, “dona Mimosa”, o encargo de aplicar-lhe injeção de penicilina a cada 3 horas. Ninguém sabia o nome do desconhecido e todos ali o chamavam de “o Esfaqueado”. Este homem sobreviveu e trabalhou por mais de anos na padaria do seu Luiz.

Meu pai exercia uma atração quase gravitacional com os loucos que, inexplicavelmente, apareciam na sua órbita. Em nossa casa sempre aparecia algum desmiolado que morava por anos a fio e, depois, desaparecia sem dar mais notícias. Foi assim com “Sebastião Doido”, colecionador de tampas de garrafa; o outro foi Frutuoso que andava com um saco de bonecos de madeira às costas e tinha horror a tomar banho; foi assim também com “Francês”, um desajuizado que fora e voltara a pé para Alencar, só para passar um telegrama. Dizia ele que era mais perto de sua casa e portanto chegaria mais rápido. Outra recordação é a história de um velho que pediu um copo d’água e um lugar pra passar aquela noite. Este velho andarilho passou mais de ano em nossa casa.

Em 1937 seu Luiz fora convidado por Belchior Araújo para montar e tocar uma padaria em Feiticeiro próximo à cidade do Icó. Feiticeiro era um lugarejo onde estava sendo montado o acampamento de trabalhadores para a escavação e construção de um túnel de adução de água para a barragem de Lima Campos. A posposta era tentadora, uma “sociedade de meia” onde seu Luiz entraria apenas com o trabalho e ainda sua esposa poderia cozinhar para os homens do acampamento. Belchior não entendia nada de padaria, a sua intenção era unicamente confrontar o prefeito de Icó, adversário político e dono da única panificadora do município. Belchior era uma espécie de herói do sertão, homem destemido e respeitado pela sua coragem e valentia. Sempre andava com dois “revolveres calibre 38” presos na cintura, mas segundo a crença popular era homem de bom coração. Depois de pesar os prós e os contras, Luiz e Expedita foram cumprir os seus destinos.

O ano de 1938 transcorria muito além das perspectivas planejadas pelo casal. Trabalho, dinheiro e um lugarejo pacato era o paraíso perfeito para os dois. Diante de tanta euforia a mulher engravidara e em setembro daquele ano nascera a sua primeira filha. Um dia de sábado, no final do mês, Luiz Padeiro (como passou a ser chamado) tirou uma folga e fora até a barbearia próximo de sua casa fazer a barba e cortar os cabelos. Eram pouco mais das 9 horas da manhã e a menina estava dormindo tranquilamente em uma rede ao lado da cama. De repente, um estrondo ensurdecedor e um grito quase infinito de uma criança amedrontada seguido de uma terrível sensação de um terremoto. As paredes estremeciam e a terra toda tremia. Dona Expedita num impulso instintivo se agarrou com a filha, fechou os olhos e começou a gritar o nome de seu marido enquanto uma nuvem de intensa poeira invadia os seus aposentos. Na barbearia, seu Luiz pulara bruscamente do seu assento e mal se afastara, viu uma pedra imensa pedra furar o teto e esmagar a cadeira do barbeiro de onde acabara de se levantar. Ninguém sabia o que estava acontecendo. Todos corriam em polvorosa sem rumo e sem saber o que fazer até que alguém, todo ensanguentado, passou correndo aos gritos: “o túnel, o túnel com todo mundo dentro”. Luiz Padeiro correu para casa e encontrou sua esposa e sua filha aos prantos, desesperadas aconchegadas embaixo da cama sob os lençóis e travesseiros cobertos de poeira. Os três se abraçaram e choraram por muito tempo.

Quando Belchior soube do ocorrido veio até Feiticeiro. Luiz Padeiro prestou-lhe as contas e comunicou sua decisão de partir embora dali. Belchior compreendeu e sabendo não haveria mais possibilidades daquela obra continuar, batendo por mais de duas vezes no ombro do seu sócio, falou:

“Pode levar tudo que você precisar para recomeçar a vida”.

Ao que ele respondeu: “Tem 5 sacos de farinhas, açúcar e todos os equipamentos de panificação.  Eu só quero dois sacos de farinha e o cilindro, o resto eu me viro. Os dois cerraram-se as mãos e se despediram.

Concluída a sua missão, Luiz padeiro foi morar uma pequena vila no distrito de Icó, onde ficou por vários anos fabricando pão e broa de goma.

Em 1947, numa viagem que fizera a Iguatu para comprar farinha de trigo, o caminhão que trazia a mercadoria, por falta de freios, capotou na descida de uma ladeira nas proximidades de Lima Campos. Quando correu a notícia ainda pela manhã, ninguém sabia dizer se o dono da mercadoria vinha ou não naquele carro. O que se sabia é que havia mortos e feridos. No final da tarde, o caminhão GMC de Jaime Alencar para em frente a nossa casa. Quatro homens ajudaram a descer da carroceria do GMC uma cadeira de couro onde seu Luiz estava sentado com uma tipoia no braço esquerdo e uma das pernas imobilizadas com ataduras. Como era diabético, ficou por quase um ano para se recuperar totalmente de seus ferimentos.

Em 1949, já em véspera do sétimo filho, dona Expedita começou a reclamar da carência de escolas e de oportunidades para o futuro de seus filhos. Em dezembro de 1949, Luiz Perpétua embarcou com toda sua família para Iguatu onde ele teve a oportunidade de montar a sua primeira panificadora com o nome de “Padaria São José”, que permanece até hoje sob o comando de sua filha Perpétua.

No ano de 1958 ocorreu nova seca. Naquele ano, correra a notícia de que um bando de homens iria invadir e saquear o comércio de Iguatu. No dia seguinte, todos fecharam as suas portas. Seu Luiz, ao contrário, mandou dobrar a quantidade de pães. De fato, os “cassacos”, como eram chamados, chegaram em massa, armados de pau, foice e facão. Nas costas, carregavam um saco quase vazio. Em frente à padaria de Luiz Perpétua eles simplesmente pararam. Dois grandes balaios de pão estavam expostos à porta da entrada da padaria. Seu Luiz, com muita calma, ordenou que todos se sentassem à sombra das árvores em frente, que ele mesmo iria servi-los. Os homens se acomodaram à sombra dos “fícus benjamim” e lá foram servidos de pão, cocada e água à vontade.  Assim como eu, acredito que ninguém nunca vira invasores tão brandos deitados de barriga pra cima no chão do paralelepípedo, protegidos pelas sombras daquelas árvores.

O ano seguinte foi ano de bom inverno e a maioria daqueles mesmos homens, antes considerados invasores, voltaram à sua padaria e se tornaram clientes cativos de sua panificadora. Não sei precisar quais os princípios religiosos de meu pai. Não era muito de frequentar Igreja, mas se dizia devoto de Nossa Senhora. A meu ver ele era um cristão sem religiosidade que seguia, naturalmente, os preceitos do cristianismo. Distribuía remédios a quem lhe pedisse, dava de comer a quem tinha fome e, literalmente, dava água a quem tinha sede. A este propósito, mandara instalar grandes potes de água potável na sua panificadora para saciar a quem tivesse sede. Visitava sistematicamente os presos, levava-lhe o conforto da boa prosa e lhes dava pão e dinheiro para o cigarro. Eu tive a oportunidade de acompanhar uma dessas visitas e confesso que fiquei chocado e temeroso ao entrar numa dessas celas cheias de criminosos. Os prisioneiros, no entanto, ficaram felizes pela visita e agradecidos pelos presentes.

Também era um homem espirituoso que gostava de fazer piadas (muitas vezes até muito picantes) e trocadilhos com certas situações inusitadas. Conta-se que certa feita Sandoval Pinheiro lhe confessara durante um café da manhã no restaurante de dona Cota:

“Luiz, não sei o que se passa comigo, não posso comer banana que me dá uma dor no pé da barriga”.

Ao que Luiz retrucou imediatamente:

“Comigo acontece exatamente ao contrário, não posso comer um pé de barriga que me dá uma dor na banana”…

Por outro lado, era admirador da poesia popular dos cantadores de viola e fã de Patativa do Assaré. Torcedor assumido do CIDAO SPORT CLUBE de Iguatu, gostava de prometer aos gritos, no meio da torcida durante a partida de futebol, fatia e pão doce a quem fizesse gol. Dia seguinte, a fila de jogadores do time ganhador acorria à sua panificadora onde recebia, além do pão, uma boa gorjeta pela vitória. Em época de Copa do Mundo, juntava em sua casa uma grande plateia de ouvintes para torcer pela Canarinha. Durante a transmissão do jogo Copa do Mundo de 1958, mediante o primeiro gol da Suécia contra o Brasil, não se conteve da raiva e atirou para o alto e espatifou o rádio no chão deixando frustrados todos os ouvintes que não tiveram a oportunidade de ouvir os gols da grande vitória de 5 a 2 do Brasil.

Luiz Perpétua era um participante contumaz das festas populares. Desde moço, gostava de participar dos leilões e folguedos das festas de Igrejas. Nas novenas de Senhora Santana, oferecia ao leilão um pão artesanal em forma de Igreja, feito por Custódio, um padeiro habilidoso que dominava a arte de confeitar pão. Muitas vezes era o próprio Luiz Perpétua que arrematava este pão para oferecer a algum outro participante da festa. No mês de junho, o mesmo habilidoso padeiro Custódio, preparava os balões para as festas juninas.

Como pai, seu Luiz era um homem sério que nos parecia austero, um guardião da obediência e da moral. Isto, de certa maneira, mantinha-nos um pouco distanciados. Para nós a sua palavra era uma ordem, mas acho que o temíamos muito mais pelo timbre de sua voz do que pelas suas possíveis reações. Eram raras as vezes que nos batia, mas preferíamos mil vezes as suas surras do que os duros carões que nos passava.

Como panificador teve oportunidades de fazer fortunas, mas não tinha vocação para capitalista. Ele mesmo dizia que “dinheiro só servia pra gastar e passar troco”, mas  Iguatu daquela época tinha pouco com que gastar. Diversões para homens era bebida, jogo ou cabaré. Meu pai detestava bebida e não era homem de frequentar essas “casas de recursos”. A sua maior diversão, contudo, era o circo ou futebol e, na falta destes, buscava preencher o tempo em algum tipo de jogo. Jogo do bicho, loterias e “vispas” (uma espécie de bingo) eram a sua predileção. Aos poucos fora sendo iniciado nos jogos de cartas. A emoção de ganhar ou perder aguçava cada vez mais a sua adrenalina. As noites se tornaram curtas e o vício tomou conta de seu espírito. Tornou-se um doente irrecuperável e perdeu o domínio de si. Infelizmente, como todo herói encontrou a sua criptonita.

No entanto, certa vez, chamou-me em particular e me pediu em lágrimas que “pelo amor de Deus“ o livrasse daquela desgraça. Naquele momento não sabia o que fazer e aquilo me partia o coração. Diante a sabedoria divina e seu amor paterno, Luiz Perpétua soube se redimir e investiu todas as fichas que lhe restaram na educação de seus filhos de quem tanto se orgulhara. A sua história de vida nos serviu de exemplo e nos fez compreender que, a melhor resposta aos seus apelos de outrora, fora a compreensão, o amor e o afeto que lhe dedicamos até o limite de nossa capacidade.

E como todo mortal nascido e crescido nesta terra, não possui o pergaminho para o encontro da imortalidade neste plano, a diabete roubou-lhe a saúde, tirou a sua visão, e lhe ceifou a vida. Em 12 de outubro de 1981, no dia da padroeira do Brasil, Luiz de dona Perpétua partiu para a eternidade.

Recife, maio de 2017

*José AQUINO DE SOUZA Eng. Civil Consultor de Hidráulica e Hidrologia Cel.: (81)9921-9149 e-mails:aquino@atpenergia.com.br jaquino44@yahoo.com.br

 

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