Marcelo Ximenes -Economista e Professor

04/04/2020

Para sabermos mais do impacto econômico com avanço do coronavírus deve incidir sobre as pequenas e médias empresas da nossa região, entrevistamos Marcelo Ximenes Teles da Roza, formado em Ciências Econômicas – UFC, mestre em Economia Rural pela UFC, professor da URCA-Iguatu desde 2012, coordenador do curso de Ciências Econômicas da URCA-Iguatu entre 2014-2019, professor da FASC – Faculdade São Francisco do Ceará desde 2018, atualmente é diretor geral adjunto da URCA-Iguatu e coordenador do núcleo de mobilização da Plataforma Ceará 2050 na região Centro-Sul

A Praça – O impacto econômico com avanço do coronavírus deve incidir sobre as pequenas e médias empresas, caso as previsões de alastramento da doença se perdurem ainda mais, assim como as medidas de isolamento social. Em cidades do porte de Iguatu, quais setores devem ser mais afetados?

Marcelo Ximenes – O isolamento ou quarentena permite prolongar a ocorrência do pico epidêmico e principalmente que ele ocorra sem o colapso do nosso, já fraco, sistema de saúde. Porém os efeitos colaterais são fortíssimos. Primeiro que a pandemia demora um pouco mais a passar. Segundo que a economia será atingida como poucas vezes na história mundial e, talvez, sem precedentes no Brasil. O isolamento faz a atividade econômica quase que parar. Na região Centro-Sul, e mais precisamente em Iguatu, a dinâmica econômica encontra-se nos setores do comércio e serviços, justamente os mais sensíveis aos impactos do isolamento.

A Praça – Alguns setores já têm sentido o efeito do coronavírus, como quem trabalha com organização de eventos e turismo. Especialistas afirmam que empresas do ramo de transportes, logística e seguros também devem sofrer um impacto expressivo. Em meio a um cenário ainda incerto, quais medidas devam ser tomadas nesse tipo de seguimento?

Marcelo Ximenes – O momento é de bastante incerteza, e não só para esses dois setores, mas todo segmento de comércio e serviços são muito expostos aos efeitos perversos dessa crise, que atinge de forma violenta seus fluxos de caixa, colocando em cheque sua saúde financeira. É o momento dessas empresas se autoavaliarem, olharem para dentro, examinarem suas finanças e suas perspectivas em todos os cenários possíveis. Se necessário for, adiar pagamentos de contas e impostos e aproveitar oportunidades; os bancos, por exemplo, estão prorrogando os pagamentos de dívidas por até 60 dias.

A Praça – A principal veia econômica de Iguatu e região Centro-Sul é o varejo. Seguimento composto por sua maioria de pequeno e médio empresários que estão trabalhando com caixa apertado, dependente de receitas frequentes da sua operação para equilibrar sua vida e de funcionários. Quais tipos de cenários o empregador nessa área de atuação deve imaginar e aplicar? 

Marcelo Ximenes – Como falei a pouco, os setores do comércio e serviços são os mais afetados pela crise no curto prazo, pelo simples fato de que para fazê-lo girar é preciso ter movimento. A pequena e média empresa não têm caixa para suportar um período longo de isolamento social. Elas podem quebrar. E isso não pode acontecer! É necessário que o Estado socorra esses setores o quanto antes, seja com a prorrogação e/ou isenção do pagamento de impostos e parcelamento de dívidas, seja com uma política especial de credito. É hora de atiçar a criatividade e de união, é importante também se aproximar de entidades de classes e associações para se fortalecer.

A Praça – Alguns setores podem sentir um efeito positivo: serviços de delivery – já que as pessoas tendem a evitar se expor a riscos saindo de casa – e de saúde, como farmácias e indústrias do ramo. A economia criativa nesse período pode dá um fôlego ao trabalhador autônomo?

Marcos Ximenes –  O trabalhador autônomo assim como a economia informal merece uma atenção especial nesse momento, dado o alto nível de vulnerabilidade dessas pessoas. Alguém já parou para pensar como a “tia” que tem uma banca de bombons em frente à faculdade está vivendo neste momento? O Estado precisa dar uma resposta urgente a essa camada da população. Quanto à economia criativa, sim, as crises geram novas oportunidades. A compreensão que devemos ter é no sentido de que estamos vivendo uma grave crise, mas ela vai passar. E quando passar, não seremos mais os mesmos, nem nós, nem o mundo, nem muito menos as empresas. É o momento de nos reinventar, buscar novos modelos, novas aptidões. Enfim, temos que estar preparados para esse novo mundo. Sem dúvida nenhuma a economia criativa, assim como a economia solidária minimizam os efeitos da crise e devem ser fundamentais na hora de retomar o crescimento.

A Praça – Como pacote de medidas econômicas para auxílio a empresas e manutenção de empregos, o Estado estendeu prazos para empresas se adequarem à documentação de ações fiscalizatórias; extinguiu pagamento Fundo de Equilíbrio Fiscal; suspendeu inscrições na Dívida Ativa; prorrogou a validade das certidões negativas e dos regimes especiais de tributação. Quais setores do Centro-Sul podem ser beneficiados? 

Marcelo Ximenes – Essas medidas são uma forma de minimizar os efeitos da crise e tentar proteger os empregos. São válidas e de modo geral atingem todos os setores. Mas o que tem que ser dito é que essas medidas não são suficientes. O Governo do Estado tem feito o que pode, partiu na frente e age com prudência, mas não tem dinheiro. O socorro tem que ser via Governo Federal. É necessário um plano emergencial que contemple todos os setores econômicos. Um plano estratégico que analise caso a caso, setor por setor. Só o Governo Federal é capaz disso. Infelizmente, o que a gente ver é uma demora na resposta. De nada adianta governadores e Congresso Nacional se articularem e trabalharem em regime de urgência se o Governo Federal não fizer sua parte.

A Praça – O Governo Federal promete mudar a relação de empregado e empregador via decretos emergenciais e MPs, conforme o avanço do coronavírus. O intuito é de refortalecer o patronato e resguardar o trabalhador. O campo ainda é de incertezas, mas numa visão ampla da situação, o momento já pede medidas drásticas na quebra do elo empregatício como demissões em massa? 

Marcelo Ximenes – Definitivamente, não. Estamos, como bem lembrou o Presidente francês Macron, numa economia de guerra! Temos antes de tudo que agir com solidariedade. É um momento crucial para salvar vidas, socorrer os necessitados, trabalhadores e as empresas, dando-lhes folego para atravessar o furacão. Demissão em massa seria um tiro no pé. O que o governo deve fazer é socorrer as empresas e proteger os trabalhadores! O mundo todo trabalha nesse sentido.

A Praça – Até que ponto o cenário econômico pode ser afetado com o não afinamento político entre estados e governo federal?

Marcelo Ximenes – A falta de alinhamento entre o Governo Federal e os governadores não é nada bom, pois só aumenta o ambiente de incertezas. Não só as questões com os governos estaduais, mas as ações e pronunciamentos do Presidente da República, muitas vezes descompassadas com o próprio ministério da saúde, acaba por gerar uma confusão na população e não contribui em nada. O momento é de união, solidariedade. Deixar de lado ideológicas e políticas e agir de forma conjunta, afinados. Precisamos neste instante é de harmonia institucional, ações coordenadas e alinhadas. Estamos praticamente entrando na terceira semana de isolamento social e até agora nenhuma empresa, setor, trabalhador recebeu ajuda. Repare que o governo tem um canal de distribuição direta de renda, que tem aproximadamente 30 milhões de cadastrados, que poderiam já está recebendo um auxilio, mas não estão. Observe que estamos à beira de faltar material de proteção para os profissionais da saúde. Isso mostra claramente a falta de gerenciamento.  O lado bom é que esse embate entre governadores e o Presidente, de certa forma, é amenizado pelas posições sensatas do ministério da saúde, que no geral segue as orientações da Organização Mundial da Saúde.

A Praça – Há quem acredite que o Brasil possa restabelecer sua economia antes de grandes centros do mundo que vivem uma crise mais acentuada no avanço e letalidade do vírus. Você acredita? Ou a chance de ano está ‘perdido economicamente’, é maior no momento?

Marcelo Ximenes – A crise que estamos passando, não fomos nós que criamos. É o que chamamos de externalidades. E sem dúvida não estamos preparados para isso. O que vimos na China e o que estamos acompanhando na Itália, Espanha e EUA nos deixam bastante assustados. O isolamento social, até que se prove o contrário, se faz necessário, porém provoca um efeito devastador na atividade econômica. É um duro choque negativo e inesperado na demanda e oferta agregada. Isso numa economia que já não vinha bem, mesmo antes do coronavírus, haja vista o “Pibinho” de 2019. Não tem como dissociar a pandemia da crise econômica. Analisar a crise de forma isolada é um grande erro. Da mesma forma, é um equívoco, entender que o dilema no momento é de escolher entre a atividade econômica e salvar vidas. O objetivo deve ser salvar vidas e minimizar os efeitos da crise na economia. Então, não vejo como não pensar em recessão econômica. O que temos que fazer, na verdade, é fugir de uma depressão econômica, pois seus efeitos são avassaladores e de custos altíssimos. Por isso vale a pena o Governo socorrer a economia, sim! O impacto negativo nas contas públicas será certamente bem menor que os prejuízos de uma depressão. É preciso analisar o ciclo da crise como um todo. Nos encontramos no pré-pico da pandemia, e estamos tentando nos isolar ao máximo, para que quando o ápice aconteça, o sistema de saúde suporte a demanda, evitando assim consequências trágicas. Mas não podemos esquecer que também é importante estarmos preparados para o pós-pico epidêmico, criando um ambiente propício, sobretudo institucionalmente, para a retomada do crescimento.

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