Marcos Alexandre – Fale com ela

04/05/2019

Dia desses eu comentava com um amigo como é difícil manter um diálogo decente nas redes sociais. E hoje escrevo para me corrigir: como é difícil conversar com alguém, seja via redes sociais, seja pessoalmente.

Nós, pós-modernos, somos semelhantes aos personagens Fabiano e Sinhá Vitória, mas sem a miséria física destes. Na obra monumental do alagoano Graciliano Ramos, Vidas Secas, o casal não se comunica através de palavras, e sim de sons guturais. Parecem seres das cavernas.

A intenção do romancista é clara: mostrar como a miséria afeta a comunicação, e, assim, impossibilita que haja uma tentativa de sair do estado miserável. A nossa miséria não é de pão, mas de palavras. Os diálogos são sofríveis, permeados que estão pelo automatismo da linguagem ou, pior, pelos famigerados “memes”. É o retorno “triunfal” à pré-história. Retorno esse comemorado pelo show business.

No que concerne aos relacionamentos amorosos, a coisa só piora. Falo não do meu “lugar de fala”, mas sim do meu espaço, isto é, de um homem que gosta de mulher. Há mesmo um imperativo biológico em nós – mesmo havendo a histeria feminista – que procura uma parceira.

Obviamente, com o avanço da civilização, não se procura mais uma mulher apenas para proliferação da espécie. Quer-se uma companhia, uma mulher para se conhecer, dividir a vida. E o que se encontra? Gente que não sabe nem os rudimentos básicos da língua portuguesa, o que dirá comunicar-se claramente.

Falta de objetividade ou, nos dizeres de Cristo, do ” Sim, Sim, Não, não”.

Que me perdoem os leitores, mas é o famoso “jogo de… “, aquele famoso monossílabo tônico da língua portuguesa. Homens e mulheres perderam aquela capacidade de dizer não quero, preferem enrolar eternamente. O Brasil é burocrático até no encontro amoroso.

Para deixar o leitor com outra analogia, somos semelhantes ao personagem do filme “Fale com ela”, do cineasta espanhol Almodóvar. Na película, temos um enfermeiro solitário que se apaixona por uma bailarina. Mas antes que possa investir, ela sofre um acidente e fica em coma. Ele passa então a tratar dela especialmente.

O fetiche dele é falar com ela, sobre tudo, mesmo que não haja uma contrapartida.

Ao fim, descobrirmos sua anomalia: ela sai do coma, e grávida dele. Exagero na analogia? Creio que não. Estamos a falar sozinhos, imbuídos de expectativas estranhas que só podem gerar desfechos – ainda que não trágicos – angustiantes.

Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor. 

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