Marcos Alexandre – Sem porquês

20/04/2019

Algumas pessoas me perguntam por que voltei a ter fé em Deus. Muitos acham que a razão se dá pelos perrengues que tenho passado. Mas isso é falso. Há dois anos passei por uma situação infinitamente pior que a de agora, e, no entanto, não busquei alívio ou ajuda divina. Situação essa que faria com que pessoas, melhores que eu, se tornassem ainda mais fortes, mas também levaria pessoas mais fracas a um fosso onde não há volta.

Voltei a crer em Deus porque percebi Deus em pessoas próximas e distantes, e como a fé (nelas) as tornavam mais fortes e misericordiosas. Voltei a crer porque, num átimo, em meio ao sofrimento, senti-me querido e amado pelo Pai. Voltei a crer quando vi Deus no sorriso do meu filho, na dor do próximo que me interpelava a agir. Que fique muito claro: Deus não me foi muleta nem alívio, mas sim amor e perdão.

Em verdade, o que me levou ao ateísmo nunca fora relacionado aos desatinos da “igreja”. Nem mesmo as regras sem menor razão de ser. A igreja é o que é – e ninguém é obrigado a fazer parte dessa instituição. O divisor de águas, por assim dizer, entre minha crença e descrença foi a questão do mal. Em teologia, chama-se de Teodiceia: se Deus é bom, por que ele permite o mal? Ou, por outra: como crer num Deus que, tendo todo o poder, permite o abuso de crianças, a miséria, a depressão, o estupro etc.

Por vezes debati esse tema como amigos que creem em bares, em redes sociais, em qualquer lugar que houvesse alguém disposto a debater o absurdo da vida e da transcendência. Não havia respostas, e se ensaiavam uma, parecia-me trivial, numa palavra: cortina de fumaça.

Reafirmo o que disse no primeiro parágrafo: nenhum infortúnio fora forte o bastante para fazer-me ajoelhar. Repetia, com sarcasmo, a máxima de Guimarães Rosa: se Deus vier ter comigo que ele venha armado! Tampouco cria que Deus, caso existisse, iria se importar com minhas blasfêmias. Um Deus vitimado, carente de minha atenção e ególatra não valeria a pena.

Portanto, a minha experiência nada teve de emocional, filosófica ou miraculosa. Comecei mesmo a abrir um espaço para o divino quando me enxerguei. Não gostei do que vi. Queria ser melhor. Queria ter outra consciência, outra força. Foi aí que surgiram pessoas, próximas e distantes, que me fizeram ver a magnitude da fé. A fé não é sensação, é uma decisão, um salto no nada. E mais: a fé molda o caráter de forma sublime. Que fique claro: há ateus mais honestos do que crentes; há céticos com mais moral do que muitos religiosos e fariseus.

Quando percebi a imensidão do universo, a amplidão da liberdade humana, a esperança que existe na responsabilidade daqueles que agem ao invés de perguntar, encontrei-me livre das cordas de Gulliver. Não há mais amarras. Há dúvidas e sempre haverá de ter. Mas o coração, enfim, pacificou-se no amor do Pai.

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