Médicos psiquiatras Eduardo Vieira e Diego Mendonça falam dos efeitos gerados pelo isolamento social

04/04/2020

A pandemia pelo coronavírus, além dos danos à economia, também causa transtornos à saúde mental das pessoas. O médico psiquiatra Eduardo Vieira colabora com o público leitor, nesta edição do A Praça, falando sobre os efeitos gerados na vida dos cidadãos, a partir da quarentena e do isolamento social

A Praça – As pessoas foram repentinamente colocadas de quarentena em casa, afastadas do trabalho, às vezes da própria família, dos amigos e do convívio social. Isso por si só já pode gerar os transtornos mentais?

Médico psiquiatra Eduardo Vieira

Dr. Eduardo – Sim. A quarentena é uma medida de saúde pública iniciada na pandemia da Peste Negra no século XIV. Apesar de ser uma medida eficaz para a contenção da infecção, pode trazer danos à saúde mental dos indivíduos, afinal, todo tratamento pode ter seus efeitos colaterais. O isolamento e a separação prolongada da família e de sua comunidade podem trazer efeitos sobre os indivíduos mesmo que não sejam afetados pela infecção. A quebra da continuidade de uma rotina e a adaptação a um novo cenário, mesmo que temporário, também pode contribuir diretamente para o surgimento de sintomas ou o agravamento de doenças psiquiátricas preexistentes. Uma questão importante é a duração desse isolamento, uma vez que esse fator interfere diretamente na gravidade dos sintomas. O isolamento de longo prazo tem uma probabilidade de causar mais danos à saúde mental.

A Praça – A gente pode se deparar em breve com um aumento considerável de pessoas desenvolvendo quadros de ansiedade e depressão por causa dessa pandemia do coronavírus? Como isso será possível?

Dr. Eduardo – Não apenas na fase posterior a essa pandemia, mas durante a trajetória já é notável o agravamento de sintomas ansiosos e depressivos de alguns pacientes que até então encontravam-se estáveis. As principais doenças que ocorrem no decurso de uma epidemia são os transtornos ansiosos e os transtornos de humor (principalmente a depressão). Na fase posterior também é comum o Transtorno de Estresse pós-traumático (TEPT). Uma pesquisa durante a quarentena de SARS (síndrome respiratória aguda grave, sigla em inglês) no Canadá em 2003 revelou que, numa amostra de 1.500 pessoas, 29% dos indivíduos apresentavam sintomas de TEPT e 31% sintomas de depressão.

A Praça – O que a literatura psiquiatra nos traz sobre esses casos? Pessoas desenvolvendo transtorno mental por causa dos efeitos de uma pandemia?

Dr. Eduardo – Durante uma pandemia, 3 fatores podem contribuir para desestabilizar a saúde mental dos indivíduos: 1 – o medo do contágio: o receio de ser contaminado pela doença; 2 – o medo de perdas: o temor de perder algum familiar ou amigo do grupo de risco, e a preocupação de uma possível perda financeira; 3 – os efeitos do próprio isolamento social como já foi mencionado.

A Praça – A partir do diagnóstico desses pacientes com ansiedade ou depressão, o tratamento é medicamentoso ou terapêutico?

Dr. Eduardo – O ideal é que seja realizado um tratamento multidisciplinar envolvendo o médico psiquiatra, conduzindo a parte medicamentosa, e o psicólogo, desenvolvendo a abordagem terapêutica. Alguns casos também necessitam da intervenção de outros profissionais da saúde como enfermeiros, assistentes sociais, psicopedagogos e terapeutas ocupacionais.

A Praça – Esses casos, se não forem cuidados, podem evoluir para quadros mais graves?

Dr. Eduardo – Sim. Em um momento como esse devemos focar tanto na prevenção primária (acompanhamento de pessoas previamente hígidas para que não venham adoecer) como na prevenção secundária (tentar manter estáveis os pacientes que já fazem tratamento evitando recaídas).

A Praça – Quais as orientações para atravessarmos esse momento de pandemia sem adoecer psiquicamente?

Dr. Eduardo – Necessitamos refazer novas rotinas de acordo com o momento. É imprescindível nos mantermos ativos e produtivos, tempo livre não pode ser confundido com ociosidade. Evitar o excesso de informações sobre o assunto seria a primeira medida, é crucial desfocar da doença. As pessoas são bombardeadas de informações muitas vezes falsas ou com o viés de amostragem (uma vez que geralmente a imprensa só divulga o caso grave). Sabemos que a imensa maioria das pessoas irão desenvolver a forma leve ou até a forma assintomática da doença. Não devemos minimizar uma pandemia, porém é pertinente evitar interpretações errôneas que maximizam o problema, gerando em paralelo a “pandemia do medo”. A prática de atividades físicas deve ser mantida e adaptada ao ambiente de casa. Aproveitar o tempo para desenvolver novas habilidades e capacitações: existe uma infinidade de cursos on-line dos mais variados assuntos. O repertório de atividades é muito pessoal, cada um deve montar sua agenda baseado nas suas aptidões.  Ler livros, assistir a filmes e a séries, aprender a tocar um instrumento musical, testar uma nova receita na cozinha, fazer atividades com crianças são opções que podem compor esse acervo. Apesar do isolamento físico, é importante manter o contato com amigos e familiares. Lembrar que tudo que estamos vivenciando é temporário, vai passar. Devemos tentar extrair um aprendizado até das situações difíceis. Sairemos mais fortes e humanos!


Nesta edição o jornal A Praça foi buscar no universo da psiquiatria com o médico Diego Mendonça uma leitura do que pode ocorrer com as pessoas, em especial o público infantil e pré-adolescente, com a quarentena, determinada em Decreto do Governo do Estado, por causa do coronavírus, período que pode ser propício a estágios de depressão ou outros transtornos mentais

A Praça – Quais os transtornos que o isolamento social pode acarretar à saúde mental das pessoas?

Médico psiquiatra Diego Mendonça

Dr. Diego – Primeiramente, queria parabenizar o jornal A Praça por trazer em sua pauta, um tema tão relevante nos dias atuais. Os efeitos do isolamento social já estão sendo vistos na maior emergência psiquiátrica do Ceará que é no Hospital Mental de Messejana, da qual integro o quadro de plantonistas. Além do próprio estresse do confinamento, soma-se a isso o medo de contágio por uma doença viral. Isso pode levar a quadros como TEPT (transtorno de estresse pós-traumático), síndrome do pânico, transtornos de ansiedade, TOC, e sintomas depressivos.  Durante o isolamento, o paciente pode sentir-se impulsionado a consumir alimentos em excesso ou recorrer a bebidas alcoólicas ou remédios tranquilizantes com o objetivo de aliviar este sofrimento. E em casos mais raros, já presenciamos pacientes em surto psicótico cujo conteúdo do delírio está voltado ao coronavírus.

A Praça – Existe uma faixa etária, grupo ou classe social mais vulnerável aos transtornos por causa do isolamento ou todos estão no mesmo patamar de risco de desenvolver os transtornos?

Dr. Diego – Acredito que todas as pessoas estão mais vulneráveis nesse momento a desenvolver um transtorno mental, não importando a faixa etária ou a classe social. Porém, essa declaração não é para criar um alarde ou um temor desnecessário. A maioria das pessoas não irá desenvolver nenhum transtorno mental nesse período de quarentena. A vulnerabilidade a qual me refiro serve de alerta para estarmos atentos aos familiares ao nosso redor. Em relação a um grupo de risco em especial, uma classe que merece mais atenção da nossa parte são os profissionais de saúde, que estão na linha de frente do combate ao coronavírus. São pessoas que, além do estresse da quarentena, necessitam lidar diariamente com o elevado risco de infecção pelo vírus.

A Praça – Nessa hora, o que fazer para que a ‘quarentena’ não seja danosa para a saúde mental das crianças e pré-adolescentes?

Dr. Diego – Do ponto de vista prático, sugere-se que, no período em que permanecerem em casa, os pais estabeleçam e mantenham uma rotina diária, tal qual ocorreria se as crianças e adolescentes estivessem na escola, principalmente no que diz respeito à manutenção dos horários de sono, alimentação, descanso, realização das atividades escolares e lazer. Em relação ao lazer, pode-se planejar atividades diversificadas, que tenham como objetivos a interação social, o convívio familiar e o reforço de habilidades cognitivas, como jogos tradicionais em que a família se reúne em volta da mesa para compartilhar aquele momento (evitar jogos eletrônicos em excesso, estimular atividades entre os familiares que estão na quarentena); leitura prazerosa (estimular a leitura das crianças e adolescentes. Quando se fala em leitura prazerosa, o indivíduo tem que participar do processo de escolha do livro); cozinhar em família, assistir a filmes e séries. E uma dica importante: buscar realizar atividade física adaptada para o ambiente de casa e para a faixa etária.

A Praça – No caso dos públicos, infantil e adolescente, existem sinais demonstrados por eles quando há algo errado com o lado emocional e a saúde mental?

Dr. Diego – Pode chamar a atenção principalmente a piora dos medos (medo excessivo de ficar sozinho, medo exagerado de doença e de que algo pode acontecer com os familiares), o temor de dormir sozinho, o surgimento de pesadelos diários, surgimento de irritabilidade diária, choro frequente, desânimo, relatos de dores abdominais ou dor de cabeça inespecíficas.

A Praça – Se isso ocorrer com as crianças e adolescentes, de terem a saúde mental afetada por causa do isolamento, como buscar ajuda?

Dr. Diego – O importante é buscar um profissional na área da saúde mental. Se o transtorno surgir no período da quarentena, alguns psicólogos estão realizando o atendimento on-line na nossa região. Importante ressaltar que, nesse período de crise, esse trabalho tem se mostrado vital para auxiliar e dar suporte a esses pacientes. Neste período de quarentena, estou atendendo no Hospital São Camilo os pacientes que estejam passando por alguma urgência psiquiátrica a fim de não deixar a população desassistida.

A Praça – Se a criança/adolescente já tiver pré-disposição de algum tipo de transtorno mental, o isolamento social pode agravar o quadro?

Dr. Diego – Não só as crianças e os adolescentes, mas todos os pacientes que fazem acompanhamento na área da saúde mental têm um risco maior de piora ou agudização dos sintomas. Por isso, a importância dos familiares estarem atentos à essa parcela da população.

A Praça – O uso exagerado do celular, o WhatsApp, as redes sociais, juntos, esses equipamentos e aplicativos podem levar o indivíduo para um quadro agudo de depressão ou ansiedade?

Dr. Diego – Nesse tempo, em que as informações chegam numa velocidade muito rápida, temos que nos policiar para evitar o excesso de informações. Manter-se bem informado por canais de comunicação confiáveis e oficiais é fundamental para saber o que está acontecendo e como você deve agir. No entanto, ficar consumindo informações o tempo todo pode causar uma piora da ansiedade ou o surgimento de sintomas depressivos. Um conselho é assistir ao noticiário da manhã, que trará um resumo de tudo o que ocorreu no dia anterior e não vai te deixar ansioso para dormir. Se prefere notícias no computador, escolha um tempo e um horário do dia para isso. Além disso, cuidado com as informações repassadas por redes sociais e WhatsApp! Os canais oficiais de saúde informarão quando houver um método mais eficiente de prevenção ao coronavírus. Portanto, não saia se automedicando ou fazendo receitas caseiras. Queria deixar uma última mensagem: essa crise vai passar e nos deixará ensinamentos. Aprenderemos a dar mais valor a pequenos gestos como o abraço, o beijo nos nossos familiares e amigos, valorizaremos mais a nossa liberdade de ir e vir. Ninguém sai de um momento difícil da mesma forma que entrou, e podem ter certeza que sairemos mais fortalecidos e com mais certeza das nossas prioridades na vida.

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