A semana começou muito triste para os amantes do cinema. Na terça-feira, 7, morreu, num hospital de Roma em que estava internado depois de sofrer uma queda, aos 91 anos, o maestro e compositor italiano Ennio Morricone.
Autor de trilhas que deram suporte a sequências inesquecíveis de clássicos da sétima arte, a exemplo da trilogia do homem sem nome, de Sérgio Leone (1964-1966), Morricone deixa um legado incomparável em termos cinematográficos: algo em torno de 500 filmes, dos mais variados temas, tiveram suas trilhas assinadas pelo maestro.
Ocorre-me lembrar, com uma saudade ela mesma sem nome, as minhas primeiras experiências de cinéfilo: tinha eu por volta dos 10, 11 anos, pouco mais pouco menos, quando assisti, levado pelas mãos de meu irmão Emídio Neto, a Um punhado de Dólares (1964), o primeiro da trilogia de Leone. Ainda hoje, a uma distância de pelo menos 50 anos, posso recordar com detalhes o que tal experiência significou para mim. Em plano aberto, a câmera de Leone mostra um deserto em que cavalga, solitário, Joe, a personagem interpretada por Clint Estewood, enquanto letras amarelas enormes vão apresentado em perspectiva animada a ficha técnica do filme. A música é absolutamente sedutora, com um arranjo inusitado de assobios e acordes de violão pontuando a imagem do cavaleiro que aos poucos vai crescendo diante dos meus olhos deslumbrados de encanto.
Nascia, sob os efeitos subliminares da arte de Ennio Morricone o meu amor pelo Cinema.
Árida tal qual a paisagem da sequência, para o desconcerto da indústria de Hollywood, que se imaginava sem concorrentes no gênero, surgia o faroeste espaguete.
Assentado em roteiros de uma simplicidade notável, e uma forma de construir narrativas que impressionava pelo requinte estético, para o que seria decisiva a composição sonora quase inserindo-se nos elementos visuais do quadro.
Nos anos seguintes, viriam Por uns Dólares a Mais (1965), Três Homens em Conflito (1966) e, momento áureo do western em todos os tempos, Era uma Vez no Oeste (1968). Deste último, agora como professor de estética do cinema, eu viria a examinar à exaustão, ano após ano, a sequência de abertura, uma verdadeira lição de como fazer cinema. Em tudo, claro, o talento de Ennio Morricone e os arranjos inusitados e desconcertantemente belos de gaitas, harpas, oboés e ocarinas. Como poucas vezes antes, o encontro de imagem e som se fazia perceber de forma irrecusável, mesmo para os amantes do equivocadamente dito cinema mudo.
Se são igualmente inesquecíveis as trilhas assinadas, por exemplo, por Nino Rota para o melhor Federico Fellini ou de Bernard Hermann para o mais típico Alfred Hitchcock, ouso afirmar, com assumida dose de subjetivação, que nada é capaz de envolver o espectador quanto a paleta de Ennio Morricone. Sem falar que nenhum deles terá sabido tirar do silêncio a música John-cagiana que só os ouvidos refinados do maestro italiano puderam perceber. E nos fazer, com ele, percebê-la em toda a sua prodigalidade. Um gênio a operar milagres.
Afeito a rever os grandes filmes, por sorte trouxe comigo para o refúgio da quarentena, no alto da solidão na serra, algumas pérolas do cinema cujas trilhas sonoras foram compostas por Ennio Morricone: A Batalha de Argel (1966), de Gillo Pontecorvo; Cidade Violenta (1970); Era uma Vez na América (1984), de Sérgio Leone. Para não falar, os que me conhecem verão nisso a revelação de uma obviedade, Cinema Paradiso (1989), de Giuseppe Tornatore.
A minha forma feliz de homenagear a beleza da música de Ennio Morricone.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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