Minha Praça, Minha Vida

29/08/2020

Murilo Barroso (Escritor aprendiz de prosa e verso)

Não é desdém ao programa habitacional (Minha Casa Minha Vida), até porque esse reside em meu coração e ainda que não atenda – na plenitude – à carência da moradia, possa me enfartar de angústia.

Trata-se de uma rede hoteleira, a céu aberto, com “status” além de cinco estrelas. Uma hospedaria coetânea de remotos infortúnios sociais com instalações em todas as cidades brasileiras, tendo sede no Rio de Janeiro, onde, possui sua maior clientela composta por sobreviventes do limiar da miséria -moradores de rua.

Por coincidência ou punição, uma dessas praças instala-se à frente da janela do meu quarto, de onde tudo escuto e vejo ao passar noites insones. Ali está, diante dos meus olhos, fazendo-me chorar, tolhendo-me a visão do espaço público que deveria ser pitoresco, todavia já não é mais pela disfunção constrangedora e dantesca que ocupa seus bancos.

Essa estada ao relento, com verossimilhança de purgatório, é quase exclusiva dos exclusos. Seus aconchegos são os mais precarizados da pobreza, oferecendo colchões sem espuma, lençóis de papelão, banho pluvial, tudo na companhia picante dos pernilongos que muitas vezes passam despercebidos pelo torpor de alucinógenos, pela resignação, ou mesmo, pela falta de energia corporal dos hóspedes. Nada é apetitoso, além da fome voraz. A comida quando existe é insípida e sem valor nutricional. No cardápio, apenas porções do esmolar cotidiano que amealha em “containers” de lixo ou de alguma mão clemente e solitária. Com essa gastronomia, sem sal nem açúcar, resta aos inquilinos o sol como café da manhã, onde haverá um pouco de vitamina D.

Esses hóspedes, geralmente não têm vínculos familiares, são dependentes químicos, motivados por desilusão, sofrem de algum distúrbio mental, sem nenhuma perspectiva de dignidade humana, vivendo a mercê da própria desdita e ainda vilipendiados pelo olhar indolente ou repressivo da sociedade “normal” que se coaduna a ineficiência das escassas políticas públicas.

Algumas pessoas apedrejam esses excomungados e, o governo que constrói os hotéis, por vezes corrupto, desvia alguns bancos, superfaturando o concreto, surrupiando a espuma dos colchões, tudo sem nenhum constrangimento em face a impunidade que até o reelege.

Os infortunados irmãos não acessam os programas sociais assistencialistas. Não obstante, alguns atiradores de pedras, espuriamente afeitos ao “jeitinho brasileiro” de se dar bem, burlam os procedimentos legais e se beneficiam como se fossem cidadãos respeitáveis e honestos.

Não tenho como me isentar de alguma culpa. Não sou Santo. O que tento é me redimir, parcialmente, com esta ínfima, cômoda e singela narrativa, visando mexer no coração da sociedade civil e das instituições públicas, para se promover uma sinergia geradora de justiça social. Esses sofredores não merecem asco. Eles sequer contaminam por infecção viral, pois não recebem abraços, vivem no isolamento crônico sob eterno “lockdown” do descaso que a vida lhes decretou.

Juro que tentei, covardemente, um subterfúgio que me alijasse desse clima caótico. Assim, por não suportar tantas noites mal dormidas e a sensação constante de impotência, comecei a arrumar as malas, no entanto o subconsciente bateu a janela do córtex cerebral, alertando-me da fuga inútil, pois mesmo que eu fugisse na madrugada, na ponta do pé, sem deixar endereço para ninguém, fosse aonde fosse: seria acompanhado pela praça.

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