Mulheres sustentam suas famílias com coleta de materiais recicláveis

29/03/2024

Andando pelos caminhos abertos em meio aos montes de lixo, entulhos, podas de árvores, com a presença constante de urubus, vestindo roupas longas, protegendo a cabeça com boné ou mesmo chapéu, além da fumaça e moscas, é o ambiente de trabalho e a forma de se vestir dos catadores de materiais recicláveis, no lixão de Iguatu, local de deposição de lixo, às margens da CE 284, no bairro Chapadinha.

Por lá, encontramos Rosimeire da Silva, 45, que desde a infância cresceu vendo aquela montanha de lixo desorganizada invadir cada vez mais a região, poluindo e degradando o local. Mas, é de lá que muitas famílias da comunidade passaram a tirar o sustento, e não foi diferente para Zefinha, como é conhecida Rosimeire. “Eu nasci na Chapadinha, mas vivi até os 7 anos, em Barrocas, no Alencar. Após o falecimento do meu pai, em 1986, a gente voltou para cá. Desde daí moro aqui na Chapadinha”, lembrou, contando que a relação da família com o trabalho de coleta de materiais recicláveis no lixão começou com a mãe dela, que, por conta das dificuldades financeiras, passou a trabalhar no local. “Foi a fonte de renda que minha mãe encontrou para terminar de criar a gente. Com o passar do tempo, depois através do meu esposo, que já trabalhava aqui, fez com que eu viesse para cá”, contou enquanto separava materiais recolhidos, à espera do caminhão compactador de lixo.

100 catadores

No local a disputa pelo material é intensa. Segundo dados da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Iguatu, aumentou a presença de pessoas engajadas na coleta, são cerca de 100 catadores, cuja presença maior é feminina. “É um trabalho árduo, com muita dificuldade, não só para as mulheres, mas também para os homens, a gente busca fazer da maneira mais segura possível, evitando os acidentes, se prevenindo da maneira que pode”, pontuou.

Zefinha explica que em meio a essa disputa por materiais, gera o aumento da renda, isso dependendo do tipo material coletado. “A nossa renda varia muito. Tem época que o material sobe de preço, aumenta o material, mas também tem período que o preço cai, o material fica escasso. Agora aumentou muito número de catadores. E aqui é única fonte de renda certa que a gente tem é essa, que é completada com os auxílios, tem o Bolsa Família, e o Auxílio Catador. A gente não consegue atingir um salário mínimo, mas esses auxiliam ajudam a gente a ir levando como dá certo”, explicou a catadora que também conta com o trabalho do marido, com quem cria os cinco filhos. O casal antes fazia alguns ‘bicos’, ela trabalhando de diarista e o esposo de ‘chapeado’, carregador de caminhão. “Não compensa mais fazer, além de se dividir em outra jornada. O que pagam para a diarista não compensa. Aqui mesmo, com toda dificuldade, a gente consegue tirar uma renda suficiente para sustentar a família”, destacou.

Preconceito e discriminação

Para Zefinha, apesar de todo o preconceito e a discriminação que sofrem por morar em um bairro pobre, e trabalhar no lixão, eles não se sentem menos valorizados. E não se vê mais fora do lixão. “É um trabalho que dá pra gente flexibilidade de tempo, o convívio diariamente com outras pessoas, a troca de conhecimento, de problemas também. Tudo isso conta. Eu não me vejo mais fora daqui, sem a companhia dessas meninas, apesar de não ter reconhecimento da população e também pela falta de oportunidade que não nos dão. Porque a gente mora na Chapadinha, já sofre preconceito e se disser que trabalha no lixão, tem essa descriminação e sempre vai ter. Mas, somos gratos demais às pessoas que sabem o que a gente passa e nos ajuda. Não só com doação de cestas básicas, mas pela palavra, um abraço. Isso nos fortalece. Isso dá uma luz pra gente continuar o trabalho da gente”, concluiu.

Liberdade

Por lá também encontramos dona Lúcia Lima, catadora que também deixou de ser empregada doméstica para ganhar uma renda melhor na coleta de materiais recicláveis, no lixão. “O local que a gente trabalha é difícil, mas a gente aqui é livre. E o ganho dá para ir levando. No tempo que trabalhava nas casas de famílias, ganhava pouco, e fazia de tudo. O que ganho tem que dar. A gente aperta um pouco daqui, outro acolá, e vai levando. Graças a Deus, ganhei uma casinha da prefeitura, já é uma ajuda boa”, ressaltou a catadora.

Encontramos muitas outras pessoas, dona de casa, diaristas, que encontram naquele local uma fonte de ganhar renda para sustentar a família. Muitos dos que estão por lá não se veem mais trabalhando em outras atividades, mas esperam que um dia as condições de trabalho no lixão melhorem, diante de tantas promessas frustradas de um dia Iguatu ter um aterro sanitário, que oferte melhores condições de trabalho e renda para as pessoas que atuam no lixão. “Eu não me vejo mais fora daqui. O que peço a Deus é saúde para continuar essa luta diária, porque se faltar um dia, a gente perde o pouco que dá para tirar com reciclável. Tem que tirar e vender, porque o que a gente ganha é daqui”, pontuou dona Lúcia, voltando para a barraca carregando um pouco de material que conseguiu recolher.

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