Após anos sem ir à missa, decidi que já era hora de fazer as pazes com o clero da minha ultrapassada cidade. Parafraseando o erudito Jânio Quadros: ”fi-lo porque qui-lo”, pois não havia qualquer débito para com a Igreja ou para com os seus ‘santos’.
O cheiro do incenso era nauseabundo – esquecera de que este odor fora um dos motivos que colaboraram para a minha ausência da nave da igreja. À minha esquerda, senhoras hirtas não se curvavam sequer para se ajoelharem. Os anos de devoção não às livraram dos males da senectude. O padre Armando insistia em vez ou outra, aparentando pedantismo, ler passagens bíblicas em latim.
Após o cheiro do incenso se extinguir, o que sobrou foi o aroma fétido dos perfumes das senhorias de domingo. Charisma, presumi. Louvores eram entoados e eu não sabia uma letra das ladainhas. Senti-me como um crente num bar. Que esse mundo não era o meu, eu já sabia… mas não a ponto de encontrar-me tão alheio. Já fui mais envolto com o hinário. ”Palavra da salvação” – Disse o padre. ”Glória a vós, Senhor” – Respondi junto com os demais. Essa parte eu não havia esquecido, ao menos!
Nesse instante meu olhar se perdeu a passear pela cúpula interna. Apreciei a belíssima imagem europeia de Jesus Cristo crucificado atrás de um dos coroinhas – jovem que trazia consigo o cálice da salvação-, enquanto o outro, hóstias – esperando para serem consagradas e, por conseguinte, degustadas pelos fieis no ritual cristão.
Alguns desconhecidos conversavam em plena missa – um completo desrespeito para quem se diz respeitador e temente a Deus -. De sorte, como não tenho amigos na igreja, não serei castigado por essa falha que me cheira a pecado (pelo menos seria, se Deus eu fosse).
– Você não aprendeu nada, não é mesmo, Antero?
Falou, com ar de sabedoria, o pedante amigo.
O tal Antero, taciturno, limitou-se a fingir ouvir a pregação. Cansado pelo dia de trabalho anterior, provavelmente, um homem só quer uma dose e um pouco de silêncio, não um amigo moralista e uma missa
– Sabe, Silas – resolveu falar Antero, assustando o inconveniente amigo -, vá se lascar!
O amigo, nisso, resolveu valorizar por fim o silêncio sepulcral do Antero e fez o mesmo. Silêncio na missa.
Não sei bem a razão, mas não creio na santidade das jovens religiosas e nem na crueldade dos bêbados de bordéis. Há uma linha tênue que os separa. E essa linha chama-se hipocrisia. Não hipocrisia dos bêbados; esses já foram condenados, mas o fingimento das santas; essas, por sua vez, vivem num embuste criado sem qualquer necessidade aparente, apenas vaidade.
O sol ardia e tomara conta dos bancos de madeira marfim. Os meus olhos pesavam. Acho que cochilei algumas vezes. O alivio veio ao soar o sino. Senti-me, por fim, abrandecido. Não pela experiência religiosa (nem a tive, confesso) ou pelo contato empírico, material, visível com o mundo cristão. Apenas chegara a hora de beber. No bar, jurei nunca mais voltar à missa, a menos que haja, claro, um real significado para mim, como há para os verdadeiros cristãos. Amém!
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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