Noites Tropicais

15/07/2023

Teve boa repercussão a coluna em que discorri sobre a empatia que muitas vezes acalentamos por pessoas com as quais sequer estivemos pessoalmente. Referia-me, então, à admiração que nutro pelo maestro João Carlos Martins, cuja figura humana desperta em mim, tanto quanto a do artista, os mais nobres sentimentos. Uma amiga disse conhecê-lo de perto, e ratificou minhas palavras de elogio à pessoa do maestro; uma outra, disse ter adorado a ideia do texto, pois que a ela ocorria o mesmo. Um leitor, da longínqua Itália, ao ler a coluna, acrescentou: “Que coisa curiosa me proporcionou sua crônica, pois sinto o mesmo em relação a figuras históricas, que viveram em tempos remotos, e, no entanto, vira e mexe, dividem comigo experiências inusitadas!” (sic).

Disse-lhe não chegar a tanto, mas que gostaria de sentar-me à mesa, no prazer de um trago em taberna humilde, com Dostoiévski; quem sabe sair às ruas de Florença na companhia de Da Vinci, ou, por certo embevecido, contemplar Beethoven sentado ao piano em plena execução da Sonata 14.

Brincadeira à parte, lembrei do carinho que o meu filho Saulo tem por Washington Olivetto, com quem, cruzando numa rua do Rio, ficou, exultante, a trocar palavras. Outras me pediram para escrever sobre o assunto em novas colunas, o que, tão logo lidos seus e-mails, trouxe-me à mente o produtor, letrista, jornalista cultural e bon vivant Nelson Mota. A simpatia é tanta que, não raro, ouso tratá-lo pelo diminutivo afetivo: Nelsinho Mota.

Pois bem. Acho mesmo que ninguém viveu uma vida tão cheia de alegria, emoções, prazeres de toda ordem quanto o letrista de “Como uma onda”, cujos versos vêm naturalmente aos ouvidos enquanto escrevo esta crônica: “Nada do que foi será/De novo do jeito que já foi um dia/Tudo passa tudo sempre passará//A vida vem em ondas/Como um mar/Num indo e vindo infinito//Tudo que se vê não é/Igual ao que a gente viu há um segundo/Tudo muda o tempo todo no mundo//Não adianta fugir/Nem mentir pra si mesmo agora/Há tanta vida lá fora/Aqui dentro sempre/Como uma onda no mar/Como uma onda no mar/Como uma onda no mar/Como uma onda no…”

Tal qual um anjo torto de que nos falou Drummond, Nelson Mota esteve sempre em todos os lugares; dividiu com as mais belas mulheres os melhores encantos; com inomináveis personalidades as mais inesquecíveis experiências de boemia e milagres da criação artística. Ninguém, nem mesmo Vinicius de Moraes, amigo de amizade estreita, tanto quanto ele presenciou lampejos de genialidade, cultuou amizades e amores inimagináveis, descobriu talentos, explorou o desconhecido das noites, viajou por todos os lugares e se entregou à boa sorte quanto Nelson Mota. Não à toa, seu último livro de memórias tem o escrachado título de “De Cu Pra Lua”, sugestão de Washington Olivetto.

A propósito, é com um prazer incomunicável que me dei a ler, quase de uma sentada, a nova edição, revista e ampliada, do clássico absoluto do jornalismo cultural “Noites Tropicais” (Harper Collins Brasil, 2023), delicioso relato de Nelson Mota sobre os tempos felizes da bossa nova, jovem guarda, MPB, tropicalismo, discoteca, rock brasil etc., tudo vazado no estilo leve e solto de um escritor enormemente talentoso para narrar acontecimentos e curiosidades que marcaram a história musical do Rio de Janeiro nesses últimos 60 anos.

Li-o, em primeira edição, há 20 anos, indicado pelo querido amigo e escritor Geovane Oliveira, e o recomendo aos que não o fizeram ainda. Trata-se de um livro obrigatório, pelo que traz de informativo e curioso sobre a história de sucesso do compositor, produtor e diretor de shows, crítico musical, animador cultural e figura humana absolutamente sedutora chamada Nelson Mota.

Nelsinho, para os íntimos (Risos).

 

Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais

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