É muito cedo, por certo, para falar em desconstrução do ideário neofascista no mundo. Há indícios, no entanto, de que a onda ultradireitista vem sofrendo abalos sucessivos, o que constitui alento para os que amam a democracia e se angustiam com as ameaças que esta vem sofrendo na segunda metade dos anos 2000.
Começou com a vitória dos chilenos em favor de uma nova carta constitucional, o que já seria significativo por si só. Mas os chilenos foram além: não era bastante espezinhar o texto de conteúdo pinochetista, jogando-o à lata de lixo a que a própria História já se encarregara de fazer com o seu idealizador. A nova constituição nascerá de uma constituinte formada meio a meio por homens e mulheres, algo impensável à luz dos valores profundamente conservadores (ou reacionários) por que se vinham orientando as ações de mesma natureza mundo afora.
Na sequência, e talvez a mais significativa das mudanças ocorridas nos dois últimos anos, a vitória do socialista Luis Arce (MAS), na Bolívia, numa reação contundente contra o golpe que derrubara Evo Morales.
Em tempo, deve-se frisar: o ex-presidente foi recebido como herói em sua volta ao país.
Sem falar, porque já distante, o caso da Argentina, onde Alberto Fernández venceu no primeiro turno eleições consideradas decisivas para a revitalização das forças de esquerda no continente.
Coroando essa sequência de avanços, em meio à onda ultradireitista que alcançara sua maior altura em 2016, com a eleição de Donald Trump para presidente dos EUA, a vitória do democrata Joe Biden indica uma inequívoca tendência de refluxo do que vinha colocando em risco as liberdades em diferentes países neste século.
No Brasil, ainda que seja preocupante o quadro de incertezas, pesquisas apontam que nas eleições de domingo 15, nas principais capitais, os candidatos vitoriosos devem estar à esquerda e ao centro do espectro político. A indicar, também entre nós, o que pode ser o fim da retomada facistoide que atingira o seu ponto culminante em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, seus candidatos tendem a sofrer uma derrota acachapante em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e, em proporções mais leves, em Fortaleza.
Tudo a indicar, como se vê, que os ventos estão soprando em outra direção, e os reacionários brasileiros, saídos dos esconderijos como ratos famintos há pouco menos de dois anos, devem “Jair se acostumando”.
P.S. Esta coluna rende homenagem ao cineasta argentino Fernando Solanas, morto em Paris, sábado 7, depois de contrair coronavírus, aos 84 anos. Solanas foi um artista engajado contra a ditadura no seu país e no mundo. Deixa-nos, sobre o tema, clássicos como “Memorias del Saqueo” (2004), “La Dignidad de los Nadies” (2005), “Argentina Latente” (2007) e o belíssimo “Tangos – O Exílio de Gardel” (1985).
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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