A semana foi de despedidas e homenagens ao religioso mais antigo da Diocese de Iguatu. O primeiro bispo da história da comunidade católica da região perdeu a luta contra a vida na última segunda-feira, 09. Aos 94 anos de idade, Dom Mauro Ramalho de Alarcon e Santiago tentava superar a debilitação e as complicações pulmonares que o fizeram ser vencido, após quase um mês internado da Unidade de Tratamento Intensiva (UTI) no Hospital São Camilo, alternando com quadros de saúde que apresentavam pioras e melhoras.
Dom Mauro teve 71 anos dedicados ao sacerdócio. Seu espírito pioneiro ao instalar as bases da Diocese de Iguatu e a dedicação às causas de formação de seminaristas e padres, bem como seus dons musicais, são marcas inequívocas da sua passagem pela Diocese de Iguatu, que decretou luto oficial por sete dias. O município decretou feriado no dia do seu sepultamento para que as devidas honras e despedidas fossem prestadas pela população.
Trajetória
O religioso tinha como lema ‘Reple Cordis intima’ (Enchei o íntimo do coração). Natural de Russas, adotou Iguatu como terra base para sua missão pastoral. Filho do farmacêutico José Ramalho de Alarcon e Santiago, então prefeito de Russas, e de Maria Ramalho de Alarcon e Santiago, ingressou no Seminário Arquidiocesano de Fortaleza em 1937 e, concluindo seus estudos em Filosofia e Teologia, foi ordenado sacerdote em 5 de fevereiro de 1948. No ano seguinte, foi nomeado diretor do Ginásio Diocesano de Limoeiro do Norte, permanecendo neste cargo até 1954. Depois foi nomeado capelão do Ginásio Marista, então um internato para meninos em Aracati. Em 1956, foi nomeado pároco da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Aracati.
Em 13 de outubro de 1962, foi nomeado pelo Papa João XXIII bispo diocesano para a recém-criada Diocese de Iguatu, desmembrada da Diocese do Crato. Primeiro bispo oriundo da Diocese de Limoeiro do Norte, desde que esta foi criada em 1938, e o 21º bispo nascido no Ceará. Foi sagrado bispo em 6 de janeiro de 1962 por D. Aureliano Matos, com auxílio de D. Terceiro de Sousa, bispo de Penedo, e D. Vicente Matos, bispo do Crato. Esteve à frente da diocese por 38 anos, tendo sua resignação publicada em 26 de julho de 2000. Foi sucedido por seu auxiliar D. José Doth, falecido em 26 de novembro de 2017.
Dom Mauro era o único brasileiro ainda vivo a participar como padre conciliar no Concilio Vaticano II. No dia 11 de outubro de 2012, no Vaticano, participou como convidado na missa de abertura do Ano da Fé. Integrou-se na procissão de entrada ao grupo de 14 padres, de 70 conciliares, ainda vivos em 2012. Na cidade de Iguatu, fundou o seminário o centro diocesano e a escola que levava o mesmo nome. Encabeçou lutas como a vinda da FECLI (Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu) sendo o primeiro centro universitário gratuito da região, assim como carrega em sua história ter participado de campanha e mobilizações dentre elas a em prol das indenizações dos antigos proprietários da bacia do açude Trussu e formação de bairros como o da Vila Centenária.
Sepultamento
Em meio à comoção da comunidade católica da Diocese de Iguatu, Dom Mauro foi sepultado na primeira gaveta debaixo do altar. De segunda-feira, 09, até quarta-feira, 11, um ciclo de 22 celebrações litúrgicas, a cada duas horas, foi realizado.
A missa de exéquias foi presidida pelo arcebispo de Aracaju, Dom João Costa, concelebrada por cinco bispos e dezenas de padres. Políticos de Iguatu e região também se fizeram presentes. Entoando o hino da Padroeira de Iguatu Senhora Santana, fiéis choraram durante a celebração e emocionados aplaudiram fortemente o momento da condução do caixão dentro da catedral até a parte detrás do altar, onde foi sepultado.
Atual bispo da Diocese de Iguatu, Dom Édson de Castro Homem fez a homilia e lembrou da atuação de Dom Mauro à frente da diocese e da morte de todos e do acerto de contas com Deus. O caixão ficou sob um tapete, no chão, no pé do altar durante a celebração da missa, conforme recomenda o rito religioso. Familiares de diversos lugares também deram-lhe o último adeus. O grau de parentesco do religioso mais próxima, ainda vivo, é formado por sobrinhos. Ele era o filho mais novo de oito irmãos.
“Dom José Mauro: um bispo itinerante! A partir do Concílio de Trento, realizado no século XVI, uma tarefa, entre tantas, incorporou-se, mais intensamente, ao múnus episcopal: a realização de Visitas Pastorais. Dom José Mauro, durante seu longo governo episcopal à testa da Igreja Particular de Iguatu (Diocese), esforçou-se por bem corresponder à tarefa supracitada. Assim agindo, tornou-se, é bem verdade, um “bispo itinerante”, no levar o anúncio da Boa Nova do Reino de Deus aos recantos mais longínquos da Diocese que lhe fora confiada por Sua Santidade o Papa São João XXIII. Muitos devem recordar-se dos contatos mantidos pelo Bispo José Mauro no âmbito da Visita Pastoral: encontrava-se o Pastor com os catequistas, com os animadores das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), com as associações Pias (Apostolado da Oração, Vicentinos, etc); não faltava o contato com as lideranças comunitárias e com o mundo da Política, nos diálogos mantidos com a edilidade. Dom Mauro, na sua solicitude de Pastor, preocupava-se, não apenas com a “salvação das almas”, mas também com os problemas relacionados com o “progresso social” do seu rebanho. A ligação da Fé com a Vida, base para o deslanche de uma “catequese” verdadeiramente “renovada”. Ao vislumbrar o conjunto de sua obra evangelizadora, agora que ele atravessou os umbrais da Eternidade, e já desfruta da visão beatífica de Deus, entendemos ser possível aplicar-lhe as palavras do túmulo de Leão XIII, papa de 1878 a 1903: “Chorou a Igreja, órfã de tão grande Pastor”, Osmar Lucena Filho, catequista da Paróquia de Piquet Carneiro
“É uma emoção, sem explicação. É uma perda grande pra gente que admirava esse grande ser humano, era um servo de Deus que ensinou muito à nossa comunidade”, Maria Graça Lima de Souza, agricultora, sítio Serrote, Iguatu
“Tinha uma grande ligação com Dom Mauro, meu marido trabalhou 36 anos com ele na tipografia da Diocese. Ele sempre nos acolheu de coração aberto. Somos gratas a ele por tudo que nos ajudou e nos ensinou”, Francisca Aparecida Gomes, aposentada
“Desde quando ele chegou aqui que a gente se tornou amigo. Era um homem bom, muito amigo da minha família. Fiquei muito abalada quando ele ficou internado. Porque a gente não queria perder dom Mauro. Era sábio, e repassava seus conhecimentos. Sua educação. A gente queria muito bem a ele. Vai fazer muita falta. Faltam palavras e sobra choro”, Amélia Rodrigues, 88 anos, aposentada, Igarói, Orós
“D. José Mauro Ramalho deixou um grande legado humano. Um homem que pode ser visto em sua dimensão humana, religiosa, cultural, política e social. Eu tive a oportunidade de conviver com D. Mauro, de ter sua confiança e sua amizade. Pude testemunhar muitas coisas e, entre elas, sua atenção aos mais pobres e ainda a facilidade para se comunicar, algo que fluía naturalmente, sempre atendendo aos necessitados de uma palavra amiga e de esperança. Ao escrever e organizar o livro A Voz do Pastor, publicado em 2010, que traz alguns aspectos de sua vida, eu vi que sua história não é somente sua, mas também a história de todo um povo que não caminhou sozinho, pois identificava seu pastor pela voz. Isso é muito bonito. Todos nós que usufruímos de sua convivência, da sua sabedoria e de seus conselhos, sempre bem-ditos, devemos ser gratos a Deus. Toda sua vida foi de doação e serviço ao projeto de Deus, que se traduz em amor ao próximo”, Socorro Pinheiro, professora da FECLI/UECE.
“Cresci ouvindo Dom Mauro. Um amigo, um Pastor, um Pai! Dom Mauro sempre teve este dom de cativar! Voz firme e ao mesmo tempo doce! Íntegro, culto, amável! Sempre o tive como um exemplo a seguir! Toda criança, jovem e adulto da minha geração e de tantas outras, sempre viram em Dom Mauro uma autoridade sem igual – daquelas únicas – que tinha ao mesmo tempo a essência dos nobres e a singeleza dos discípulos. Um homem sempre além do seu tempo! De Deus e conosco! Sou muito grato por ter partilhado do seu convívio! Sinto muito a sua partida, mas sei que no Céu ganhamos mais um intercessor que nos convida sem cessar a encher o íntimo dos corações do Espírito de Deus! Obrigado Dom Mauro, por representares tanto na minha vida. Inesquecível e para sempre!”, José Ivo Ferreira de Souza, Paróquia Senhora Santana
“Quando eu cheguei, ele sempre muito esteve muito próximo, cooperando, colaborando com aqueles que aqui chegavam, para que pudesse exercer com muita fidelidade o amor. Foi realmente um verdadeiro santo pastor, exerceu com muita fidelidade aqui a missão, conduzida esse rebanho de Deus de maneira muito simples. Um pastor com cheiro de ovelhas, despojado de tudo, nos deixou esse grande legado. Eu tenho a felicidade também de fazer parte dessa história de colher os frutos dessa semente lançada aqui na Diocese de Iguatu como o Bispo durante seis anos. Tenho uma profunda gratidão para com Dom Mauro. Nossa gratidão pelo imenso bem que ele fez. Que diante do seu testemunho também podemos imitá-lo, exemplo de um pastor zeloso que deu a sua vida pelas ovelhas. A minha prece é que o senhor receba nosso irmão Dom Mauro pela vossa misericórdia e que ele descanse em paz”, Dom João Costa, arcebispo de Aracaju-SE, ex-bispo da Diocese de Iguatu
“Dom José Mauro é nosso patriarca. Nos criou, criou as bases da Diocese de Iguatu, que se sustentam até hoje, com sua oração e a presença amorosa. Ele tinha uma devoção muito forte ao Espírito Santo. Enchei o mais íntimo dos corações, era seu lema, ele tocou os corações do povo da diocese. Acordávamos aos domingos às 7 horas da manhã com aquela voz suave amorosa no rádio: “Meus queridos diocesanos”. As ovelhas conhecem o pastor pela voz. E a gente conhecia Dom Mauro pela voz de sabedoria de acolhimento. Atuante nas demandas da população de Iguatu, nas enchentes do Rio Jaguaribe que fizeram formar a Vila Centenária com apoio do Mauro por meio de projeto de construção de casas populares em mutirão através da Cáritas Diocesana. Tem um legado grande de caridade aqui. Era o homem do diálogo, da palavra. Muito educado e muito capaz do convencimento”, Pe. Anastácio
“Ele era mais que um tio e padrinho dos nossos filhos. Era um guia. Não tem nem como expressar o tamanho dessa dor. Nos pegou de surpresa, apesar de estar muitos dias na UTI, ele obteve uma melhora significativa, depois que fez a traqueostomia. Pensávamos que ele iria sair dessa que iria conseguir, porque ele é uma pessoa muito forte, sempre foi cuidadoso com sua saúde. Tudo de diferente que acontecia, ele mesmo procurava um médico. Quando cheguei no Iguatu, conversei com ele, dizendo que cheguei para o visitar de novo. Ele me reconheceu e sorriu, é essa imagem que eu tenho guardada dele antes de partir. Iguatu era a cidade dele. Quando foi feito o túmulo aqui na catedral, chegamos a questionar ele sobre Russas, ele rebateu dizendo que não, que o povo dele era Iguatu, que sua cidade era essa, pois tinha vivido boa parte do seu tempo aqui. Achei lindo esse apego com os iguatuenses. Cidade que tão bem o acolheu. A imagem que guardo dele é de um tio carinhoso que nos levava para conhecer os animais na fazenda, de uma pessoa presente em minha casa em Fortaleza, lá em casa está tudo guardado, roupas, rede. É doloroso saber que ele não vai mais lá”, Aneliza Ramalho, sobrinha
“O tanto que Iguatu acolheu Dom Mauro é o tanto que ele os acolhia. Sua virtude era acolher as pessoas. Quem ele abordava, sua palavra característica era dizer: Você está feliz? A felicidade das pessoas o importava, assim como ‘o acolher’ das pessoas. Convivi com ele há mais de 25 anos, e a gente conhece comando Mauro. É uma perda para Iguatu. Mas a mensagem que eu digo é essa: e acolher as pessoas que a gente possa transformar um gesto de amor de carinho e de felicidade por tanta gente. De alguma maneira celebramos a felicidade pelo tempo que ele passou com a gente, quanto tempo ele nos deixou de ensinamento, de carinho, muita atenção foi um presente de Deus recebê-lo em 1962”, Pe. Carlos Roberto
“É um momento que precisamos da consolação de Deus. Tomar como exemplo São Paulo, de não poder nos entristecer como aqueles que não têm esperança. A nossa esperança é na ressurreição que depois dessa vida vamos nos encontrar com Deus. Isso é esperança de cada um de nós. Dom Mauro alimentou essa esperança de se alimentar em relação às pessoas com as quais ele viveu. Ele foi um homem de doação, todas as pessoas falam muito bem dele, ele era muito caridoso, muito solidário, muito terno dentro da sua personalidade. Muito ativo na sociedade, não apenas como um religioso, mas também como um cidadão de ações ativas do dia a dia. Ele construiu as bases, as colunas da diocese, do caritativo, celebrativo e devocional, e tantas dimensões. Eu sei que ele respondeu a tudo isso”, Dom Edson de Castro Homem, bispo diocesano de Iguatu
“Dom Mauro tem uma história de muita dedicação a Iguatu. Ao longo da sua trajetória deixou um legado de humildade e simplicidade, ajudando aos mais humildes através da sua fraternidade. Dom Mauro com certeza deixará uma lacuna muito grande em todos iguatuenses e a região centro-sul. Ele representa muito bem o nosso Iguatu, a nossa região. Ele é merecedor de todas as homenagens das famílias de bem. Posso falar com propriedade da figura de Dom Mauro para o crescimento e a lutas social. A prova desse reconhecimento de todos é a igreja tomada por fiéis e o comércio fechado para prestar essa última homenagem e o profundo respeito. Sua história ficará cravada no nosso município por mostrar que podemos ter esperança no próximo”, Ednaldo Lavor, prefeito de Iguatu
“Dom Mauro foi uma pessoa que marcou a vida dessas últimas gerações de Iguatu, pela sua bondade, pelo respeito que ele tinha com todos, pela generosidade aos pobres, pela sua postura como bispo diante do clero e da comunidade. Vai deixar um vazio grande na nossa comunidade. Tinha o respeito de todos”, Elpídio Cavalcante, bioquímico, ex-prefeito de Iguatu
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