O amor tardio ou uma loira chamada Deisy

Para Lady Deisy

05/06/2021

O que pode ser mais destruidoramente sensual e apaixonante do que um loira? Um loira chamada Deisy e vestida de vermelho! Foi exatamente assim, com um vestido curto, colado ao corpo, que ele a conheceu naquela tarde de sábado, na boate.

Impossível não lembrar da protagonista de The Great Gatsby, também loira, também chamada “Daisy” (a forma do nome em inglês). Scott Fitzgerald escreveu sobre um grande e torturado amor. Uma mulher inesquecível que volta do passado para torturar o pobre Jay Gatsby. Mas a loira do autor da Lost Generation era uma personagem frágil, psicologicamente instável, apesar de belíssima em seus traços gerais.

A loira dele, a sua Lady Deisy, a da boate, era de uma beleza forte, afirmadora, como a de uma guerreira amazona, mas em um corpo de inglesa ou italiana do final do século XIX. Pernas fantásticas, grossas, longas e torneadas. Lábios carnudos e corados, seios empinados e da cor das rosas que mal acabaram de nascer. Um pomo delicioso, o quadril. O sexo, uma delícia quase virginal. Apenas vinte anos!

Ora, não sejamos hipócritas. O amor tardio é necessariamente venal. Ele sabia disso e tinha na memória a máxima latina Venus ridicula in canitie (Vênus é ridícula na velhice). Sed non pecunia. Como poderia um homem avançando na meia-idade conseguir uma loira daquele tamanho?

Esta resposta não é importante. Importantes e belas foram as tardes em que ficaram juntos, na cama. A conversa de namorados, a cerveja, a música alternando a preferência de cada um. Algumas vezes, gostos e gerações não tão distantes. A insinuante intimidade permeando os corpos e as palavras…

Imperceptível, a tarde fazia-se noite. O quarto tinha uma janela aberta, de formato antigo, dando para um denso quintal onde vaga-lumes tremeluziam. Deisy os notou e mostrou-os a ele. As luzes efêmeras deles eram o Efêmero daquelas tardes-noites. A intuição feminina dela os viu como beleza singular. A percepção dele, melancólica e estética, lembrou-lhe da beleza que passa rápido como a própria vida…

Os olhos de Deisy…. eu quero falar sobre eles por último. Estranhamente negros, densos, destacando-se na tez da face rosada. Amendoados e negros…. pontos profundos na moldura dourada dos cabelos… Eram piscinas abissais de uma tinta negra, sortílega, nas quais quem as mirasse por um curto tempo se afogaria… os olhos de Lady Deisy!

Se ela quisesse poderia – ele pensou consigo – tomar-lhe todos os castelos, levá-lo por ínvios caminhos, escravizá-lo…. Fazê-lo feliz! Desnorteante é a beleza! Vivificante!

Antes de ir embora ele olhou com mais vagar para uma pequena tatuagem no antebraço da sua loira. Em inglês: Only this time. Concordo com você. Somente este tempo. Tudo o que temos é somente este tempo.

 

Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)

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