O ônibus fora pontual naquela noite. Carlos, não. Perdera a condução mais uma vez. Teve de fazer todo o trajeto a pé novamente. Decidiu que não mais iria para aquela reunião infrutífera. Derivou para o bar da ‘‘Rua dos Tortos’’ – como era conhecida aquela viela onde seus assíduos frequentadores eram notívagos irrecuperáveis; boêmios natos.
19:14h. Carlos achou que uma cerveja cairia bem, afinal, já se sentia desobrigado das tarefas dessa semana. Era uma quinta-feira com ‘cara’ de sexta-feira. Amanhã curtiria a ressaca prostrado na cama, pensou. A cerveja gelada veio. Poucos se faziam presentes no recinto ambientado à meia-luz.
Enquanto fumava o primeiro cigarro da noite, Carlos ouvia uma canção do saudoso e falecido intérprete Emílio Santiago. A canção? Saigon. A música, que vinha de uma velha caixa de som posicionada estrategicamente próximo às mesas, evocava, nos alcoólatras como Carlos, as dores emocionais que só são sanadas paliativamente após a ingestão de mais bebida.
Vanda! Esse foi o nome da mulher que povoou o pensamento do rapaz naquele momento. O término fora dos piores possíveis: contendas, ofensas, e, agora, saudade de uma vida conturbada, mas estranhamente feliz. Ele bem que gostaria de não sentir o que sentia, claro, mas como racionalizar o que é emoção, quando o espírito ignora qualquer sensatez?
Enquanto divagava durante quase uma hora, o agora bêbado Carlos não reparava em quem entrara ou saíra do bar. Só bem depois foi que reparou que uma mulher o fitava de tempo em tempo. Tratava-se de uma balzaquiana. Até apetecível, ele reparou, ainda que com a vista uma tanto embaçada.
‘‘Talvez seja disso que eu precise: uma noite com uma completa estranha’’– Pensou enquanto levantava o copo, fazendo menção de convidá-la para um trago inócuo. A mulher, que em nada lembrava a sua jovem ex-namorada Vanda, fez charme – o velho jogo da sedução, da guerrilha do amor -, mas cedeu (como já era o esperado).
7h08! Carlos saltou da cama, de um só pulo! No lugar desconhecido, correu para o banheiro e lavou o rosto. A balzaquiana não se fazia naquele quarto. Um bilhete no criado mudo:
‘‘Querido Carlos, obrigada pela noite quase formidável! Grata por ter pago os meus drinks e ter-me tratado quase tão bem quanto deveria. Obrigada também pela performance quase perfeita na cama. Da próxima vez, se comigo ou com outra, beba menos, talvez assim você não me chame (ou a outra) de Vanda. E, pela última vez, meu nome é Amanda! Ah! A conta do motel já está paga. Você tem até o meio-dia. Este é o meu número. Quando quiser ‘quase’ se desculpar, entre em contato.’’
‘‘Até quando eu viverei intercalando amores por você, confundindo nomes, maldita-amada Vanda’’ – Gritou Carlos enquanto se vestia e bebia a última cerveja do frigobar enferrujado.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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