Ulisses, logo após a guerra de Troia, ao passar pela região de Capri, local conhecido pelo encanto do canto das sereias, ordenou aos seus tripulantes que passassem cera nos ouvidos e o amarrassem ao mastro do navio para que ele ouvisse e resistisse ao canto da sereia. Assim foi feito e Ulisses se tornou o primeiro navegante a navegar naquela região e sair vivo dela.
Odisseia, de Homero, teve sua forma fixada por escrito, provavelmente, no final do século VIII a.C. Àquela época já havia alguém pensando em como fugir da liquidez dos tempos? Será? Não é possível que aquele tempo já se banhava de alguma liquidez. Nas distopias, sempre me pergunto se seus autores previam o futuro ou davam a ideia. Acho que as duas coisas né!
Pois bem! Deixemos o passado de lado e retornemos ao presente.
No último dia 27/11, a escritora cedrense Dulce Cavalcante, de 84 anos de idade, lançou o seu sexto livro, intitulado Crônicas Para Despertar Meus Dias (há aqui uma licença poética que autoriza o verbo da oração a permanecer no infinitivo), na câmara de vereadores de Iguatu. Na ocasião, a escritora recebeu, em sessão extraordinária daquela casa legislativa, o título de cidadã iguatuense, honraria, esta, proposta pelo vereador João Lázaro. Diante de um momento tão relevante para a literatura iguatuense e para a educação como um todo, pasmem, o único parlamentar presente na sessão foi apenas o que propôs o título à escritora. Todos os demais 16 vereadores estavam ausentes. Também não estava presente ninguém do executivo municipal, nenhum representante, sequer, da secretaria de educação. Não havia alunos das escolas públicas da cidade. Nem das privadas.
Dois dias depois, no dia 29/11, a escritora mombacense Ireilande Elias, de 83 anos de idade, lançou, também, o seu sexto livro, intitulado As Incertezas da Vida. O Evento aconteceu na Escola de Saúde Pública de Iguatu. Mais uma vez não se viu absolutamente ninguém do poder público municipal a prestigiar o evento. Nada de prefeito, vereadores, secretários, deputados, nada de jovens, nada de estudantes, nada… Mas essas ausências foram prontamente supridas por amigos e familiares das escritoras que encheram os eventos de carinho e emoção. Foram noites memoráveis de muita troca de experiências e, acima de tudo, de muita troca de afetos.
Mas o meu questionamento é o seguinte: o que, de fato, é importante para os nossos representantes políticos? O que, realmente, tem valor para a nossa juventude? O que fazer para que essas pessoas, assim como Ulisses, vençam o canto da sereia que os entorpece. E o que vem a ser o canto da sereia dos nossos dias? A internet? As redes sociais? Os coaches? O que é tão mais importante do que educação, cultura, história, literatura, arte, poesia, para concentrar, assim, tão fortemente, todo a atenção dessas pessoas?
Eu deixo essa reflexão para vocês, meus subversivos leitores.
Eu prefiro falar da grandeza dessas duas mulheres que a literatura me proporcionou conhecer (e que felicidade conhecê-las).
Elas, sim, são as sereias que eu, abertamente, entrego-me aos vossos cantos. E que cantos! E sugiro que você também se deixe entorpecer por tão bela melodia.
Suas vozes, suas vidas, seus livros me ensinam a viver sem idade e me motivam a não limitar, em hipótese alguma, os meus sonhos.
Foram elas duas que me ensinaram que é irrelevante compreender a velocidade do tempo, ele passará de qualquer forma, ou talvez ele seja estático e não passe nunca. O que nos importa é o que fazemos agora, afinal de contas é dele que somos eternos prisioneiros.
A vocês duas, minhas amigas, e a vossas histórias eu rendo, em nome daqueles que pensam como nós, todo o meu respeito e admiração.
Viva Dona Dulce! Viva Dona Ireilande! Viva a Literatura!
Bom fim de semana!
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