O carteiro e os poetas

14/02/2020

Para Eduardo Xavier, o carteiro

No mundo todo, cada pessoa é diferente, mas nesse mundo de luta de classes, os trabalhadores são todos parecidos. Os patrões é que são diferentes, às vezes, mas no fundo também são muito parecidos com os seus.

Essa semelhança entre os trabalhadores é que me dá, trabalhador que sou, um sentimento de amizade com todos os que encontro por aí para uma prosa no meio da pressa.

Muito trabalho a fazer, muita coisa. Carga pesada, todo dia, até o dia que não aguentar mais.

Essa é a realidade dos trabalhadores, e a realidade do Eduardo, o carteiro que eu tenho a sorte de passar na minha rua. Sorte para mim. Para o Eduardo já não sei.

Em uma cidade plana como a nossa é muita audácia do destino e da lotação o colocar para entregar cartas a pé no único bairro com ladeiras da cidade.

Fora que os bairros por onde ele caminha o dia inteiro são um emaranhado de ruas e travessas que os vereadores da cidade, volta e meia, fazem o desserviço de mudar os nomes.

Eduardo é uma figura forte, visto de longe e até de perto, lembra um pouco as imagens de Jesus, mas acho ele mais parecido ainda pela sofrida pelo sol, o cansaço com esses absurdos do mundo, o olhar sempre piedoso quando fala das misérias e a generosidade com cigarros e com sorrisos quando conversa.

Isso é tão bonito, que se Jesus existiu acho que era mais parecido com o Eduardo do que o Mel Gibson.

E trabalhadores como somos, quando a gente tem a folga de conversar em alguma sobra durante dois cigarros, falamos de tudo um pouco.

Assuntos que não mudam o mundo, mas deixam nosso dia melhor.

Naquelas conversas, a gente é mais irmão de luta e sofrimento. Por nós e pelos outros.

Como todo trabalhador tem o direito e o dever de falar mal de patrão ruim, aproveitamos o momento para isso sem dó nem piedade.

No caso do Eduardo, o patrão dele é o presidente. Ele tem o azar vestido de sorte de ser funcionário público efetivo dos Correios do Brasil, essa empresa importante, estratégica e por isso mesmo desmontada pelos governos.

Ele sente na pele primeiro os ataques dos governos aos trabalhadores e ainda tem a dolorosa tarefa da entrega de boletos com a conta depois.

Passou o tempo das cartas de amor, mas o Eduardo ainda tem esperança, e a gente conversa sem ver o tempo passar direito.

Com ele dá para conversar sobre a importância dos Correios para a segurança nacional melhor do que com qualquer ministro desse governo.

Eduardo é muito mais que isso, porque também tem produção acadêmica que daria bons debates, mas na sombra de alguma árvore da cidade a gente sente o alívio de encontrar a generosidade de um companheiro no meio desse deserto de gente.

A conversa anda e depois dos cigarros, olhando no relógio, cada um toma seu rumo e quando me despeço dele o que vem na minha cabeça são frases mais que batidas, do “trabalhadores do mundo: uni-vos!”, ou do “amai-vos uns aos outros”, ou mesmo “vai na fé, irmão!”.

E o Eduardo vai com sua bolsa de lado pelas ladeiras do Cocobó, debaixo do sol de Iguatu.

Jan Messias é radialista, fotógrafo e estudante de direito

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