Foi em uma rua deserta, por volta da meia-noite, que encontraram a jovem desmaiada em uma calçada que possuía uma frondosa arvore rachando o seu cimento. Laura era o seu nome. Filha de um sucateiro e uma dona de casa semianalfabetos, a jovem saíra à noite com o intuito de dormir na casa do namorado que, ao perceber a demora da moça, passou a procura-la, só a encontrando, juntamente com alguns populares, horas mais tarde.
Não havia quem soubesse o que tinha acontecido com a jovem tida como uma boa filha, estudante e namorada. Havia em seu pescoço uma minúscula marca semelhante a uma perfuração feita por uma agulha ou coisa parecida, notou um dos populares. Seria necessário exames para identificar sobre o que teria marcado o seu corpo. Teria ela outras marcas? Quem atacou a jovem? O que de fato aconteceu? Era um mistério que a polícia teria que desvendar.
Dentre todos os falatórios e especulações feitas nos dias seguintes, o mais famoso foi o de que a garota tinha sido vítima de um ataque de óvnis que, ao invés de abduzi-la, como nos famosos casos pelo mundo a fora, fizeram eles, os extraterrestres, a intervenção cirúrgica ali mesmo, na calçada, sob a grandiosa árvore.
A polícia, claro, não acreditava nessa insólita versão e aguardava o resultado dos exames, que foram realizados na capital, haja vista a precariedade de materiais e profissionais capacitados para examinarem a garota como se deve. Só assim teriam uma linha lógica para seguir. Até lá, o namorado da garota, seus pais e vizinhos seriam chamados para serem ouvidos e responderem às indagações da autoridade policial, o investigador Andreas.
Laura, que chegara da capital, nada disse sobre o ocorrido, alegando amnésia sobre o fato quando na noite do sinistro. Também nada de importante fora coletado pela polícia nos depoimentos. Nenhum suspeito em potencial, nenhuma história incongruente; tudo coadunava perfeitamente. Ninguém, ao que parece, mentiu em nenhum momento.
Teria realmente acontecido algum crime? Teria a moça tido, por exemplo, um ataque epilético e se machucado no pescoço com um espinho ao cair? Um espinho que estaria no chão, tão somente isso? Ets? Não, o investigador se recusava em considerar tão absurda hipótese. Tinha de ser um crime… Só não sabia qual era o crime… E quem o cometera… E o que fizera com a jovem, afinal!
Andreas decidiu que voltaria à cena do crime… Ou do suposto crime. Iria fazer uma varredura no local. Algo deveria ser encontrado. Tinha de ser encontrado. Algo que ligasse o meliante à jovem. Alguma pista que pudesse dar um rumo para a investigação. Laura, que parecia confusa e sem nexo nas suas falas, não estava ajudando conforme o esperado, pois, do contrário, seu relato seria crucial para prender quem a maleficiou.
Alguns arranhões na centenária árvore denunciavam que alguém a tinha escalado. Pelo tempo de cura das ranhuras, sabia-se que foram feitos há alguns dias… Talvez do dia em que a jovem fora encontrada desacordada. A rua era escura, sobretudo em uma noite sem luar. O detetive atribuiu a esse fator o fato de não ter notado tais marcas ao examinar a árvore no dia em questão.
Era preciso uma nova conversa com a jovem Laura. Algo o dizia que ela estava fingindo demência, amnésia; que estava ocultando, por alguma razão, os fatos. Algo não cheirava bem. O faro investigativo de Andreas raramente o traia. Era como um sexto sentido oriundo de anos servindo à população daquela cidadezinha interiorana.
Enquanto isso, o jornal local ligava o caso da jovem Laura ao fenômeno ‘‘Chupa-Chupa’’, relembrando o desencadeamento da ‘‘Operação Prato’’. Podia-se ler o seguinte na primeira página do respeitável periódico:
‘‘O fenômeno chupa-chupa foi um conjunto de avistamentos e eventos misteriosos que ocorreram no estado do Pará, principalmente na região de Colares, entre os anos de 1977 e 1978. Durante esse período, muitas pessoas relataram avistamentos de luzes estranhas no céu, que pareciam ser objetos voadores não identificados (OVNIs). Esses objetos, segundo os relatos, emitiam feixes de luz que, supostamente, sugavam sangue ou energia das vítimas, daí o nome popular de “chupa-chupa”. Os moradores das áreas afetadas relataram uma série de sintomas após os encontros com essas luzes, como queimaduras, fraqueza extrema, tontura e, em alguns casos, pequenos ferimentos que pareciam ser resultado da ação dessas luzes. Houve relatos de morte atribuídas a essas luzes, o que gerou grande pânico entre as populações locais. O mesmo teria ocorrido com a jovem Laura, encontrada com uma estranha marca no pescoço e desacordada… ‘’
A rádio local também rememorava o inusitado episódio paraense. Entretanto, ao contrário da matéria do jornal, evitou correlacionar os eventos. Na realidade, a cidade estava dividida entre os que acreditavam no evento de seres antropomórficos atacando a menina Laura e os que criam que o ataque fora cometido por um misterioso e sorrateiro malfeitor.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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