Certa vez, após um último trago, indo para casa, eis que meu celular, no silencioso, vibra. Parei para tentar atender ao aparelho. Percebo que não havia nenhuma chamada perdida. Achei estranho, pois não atendi à suposta chamada, já que parara de vibrar antes mesmo que eu tivesse tido tempo hábil para atendê-la. Por fim, ignorei ao insólito ocorrido e segui meu destino rumo a minha mansarda.
Lá pelas tantas da madrugada – umas três horas – o aparelho irritante me acorda do meu repouso alcoólico. Percebi então que não se tratava de uma ligação, mas de uma marcação datada no calendário. O instrumento de fofoca me foi adquirido de segunda mão. Não conhecia o seu dono, pois comprei no mercado informal.
Já sem sono, resolvi vasculhar os ícones nunca antes por mim explorados. Encontrei algumas fotos de um casal. Reconheci um dos locais em que uma delas fora tirada: num clube da cidade.
As fotos denotavam amor transbordante. Em uma delas, um colarzinho com a foto do casal, presa ao pescoço da sorridente garota, me fez lembrar como os sentimentos verdadeiros são, para quem está de fora, isento, alheio, patéticos. Sim, o amor é ridículo, estranho e patético.
O celular continha centenas de mensagens de texto datadas de pelo menos quatro anos. As mensagens variavam de: ”traz leite”, até ”love forever” (que brega… porém interessante em sua ridicularização piegas).
O aparelho passou a me fazer agradável companhia. Aquele casal me fazia rir sobremaneira. Ninguém nunca me ligou. A serventia daquele celular se fazia na existência passada daquele casal. Era como ler um livro digital.
Os dias foram se desdobrando, até eu encontrá-la em uma festa…Sim, era a menina… mas… onde estaria o seu par romântico? No banheiro? Para minha surpresa, veio ao seu encontro um outro rapaz que, nem de longe, lembrava o rapazinho do celular. Não se trata de mais feio ou bonito… apenas diferente.
Fiquei observando a nova felicidade da garota. O seu novo amor sorria-lhe tal qual o seu predecessor. Ela ajeitava a alça do sutiã e mascava um chiclete como uma colegial de filme norte-americano.
Sentei-me no recanto da parede e bebi um copo de whisky enquanto a festa não ficava mais interessante. Comprei chicletes também.
Olhei meu celular (ou seria o dela?) e comparei-a com as fotos antigas que dispunha no aparelho. Não soube constatar se ela estava mais ou menos linda… Acho que não consigo discernir sobre quando estou ”alto.”
Decido ir embora. Despeço-me mentalmente do casal e saio rumo ao portão da entrada principal.
No outro dia, logo de cara, leio no jornal: ”homem é encontrado morto por overdose alcoólica.” Na foto, agora bem diferente, a face do rapaz que completava aquele casal de anos atrás.
Resolvo deletar tudo…
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
0 comentários