“Ninguém aprende a viver pela experiência alheia; a vida seria ainda mais triste se, ao começarmos a viver, já soubéssemos que viveríamos apenas para renovar a dor dos que viveram antes.” – Jacinto Benavente y Martinez
Nem bem placa de “aluga-se” fora colocada na parede, os vizinhos já começaram a especular sobre o que teria acontecido, precisamente, para que o proprietário da casa a colocasse para aluguel por meio de uma imobiliária. Na verdade, as discussões constantes daquele casal já os faziam prever que o desfecho seria o fim inevitável. Como muitos, o casal tentou presar pela discrição, camuflando as brigas andando de mãos dadas a cada saída e chegada – descrição não mantida, exceto, como mencionado, nos momentos em que os tons de vozes alteravam-se; de modo que assim não conseguiam manter o sigilo, dando lugar aos ecos ouvidos por boa parte das vizinhas (que, como todas as vizinhas que se prezem, são fofoqueiras).
A vizinha fofoqueira disse tê-los vistos na padaria, e continuou: “… de mãos dadas – como sempre -, encenavam bem a harmonia que se espera de uma relação entre homem e mulher. Ela comia um pastel, e ele, uma coxinha. Entretanto, já não havia mais aqueles olhares típicos de quem admira a pessoa a qual se escolhe para percorrer consigo o resto de sua existência. Mas não largavam as mãos. Comiam e seguravam-se pelas mãos. A cena só não era mais patética do que o saber de que a aparência, para eles, valia mais do que os fatos. De que já não dormiam mais juntos. Ninguém me contou… eu mesma ouvi eles discutindo e denunciando ao mundo que já não dormiam juntos!” – Sentenciou a repugnante vizinha, que há muito não sabe para que serve uma cama, que não seja para dormir.
Lamento pelo casal e sua triste separação. Lamento também por não terem a coragem de assumir quando o jogo do amor feneceu. Talvez estejam esperando o momento certo… Não sei. Não é da minha conta ou interesse. Eles o sabem, e só a eles tal fato interessa. Mas de todos, o único que saiu perdendo, foi a vizinha fofoqueira. O casal se desfez, mas logo encontrarão – ambos – novos companheiros, pois suas vidas seguirão. Já a velha, estacionou a sua vida na vida de terceiros. E, claro, todos sabem que não é possível existir vida quando se vegeta em função de existências que não são a sua.
E quanto a mim, que vejo tudo e nada digo, acomodo-me na minha velha cadeira e escuto a interpretação de ‘‘O fim’’, canção do inigualável Altemar Dutra, me limito a desejar vida nova a todos… Sobretudo à velha fofoqueira, que nunca experimentou o sabor de ser protagonista de sua própria vida, mas apenas coadjuvante da vida dos outros.
‘‘Chorando amor estamos/ De tudo a nos lembrar / O quanto nos amamos/ Como foi lindo amar /Para nós a esperança /Parece que morreu /E do amor só restou /Para nós /O adeus.’’ – Trecho de O Fim, de Altemar Dutra.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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