Uma canetada do Procurador Geral da República, Augusto Aras, no bojo dos compromissos firmados às escondidas com Jair Bolsonaro, a fim de poupar o presidente e seus filhos de investigações futuras, põe definitivamente por terra a mais explosiva operação contra a corrupção no país.
Marcada por contradições, em que pese algum legado positivo, e sob muitos aspectos completamente desmoralizada desde os vazamentos de conversas de procuradores com o ex-juiz Sergio Moro, a fim de desconstruir o PT e afastar Lula da eleição de 2018, a operação deixa um histórico em nada dignificante para seus integrantes: investigações seletivas, interferência direta do juiz em procedimentos processuais dos procuradores, sua nomeação para o Ministério da Justiça, ‘provas’ construídas a partir da própria inexistência de provas e a desavergonhada contratação de Sergio Moro como consultor de empresas por ele mesmo julgadas etc., além de direta responsabilidade pelo desmonte de importantes empresas brasileiras, com repercussão significativa na crise econômica do país, por exemplo.
Afeito à análise da narrativa, seja ela qual for, valho-me de um conceito da teoria literária para fazer aqui a afirmação peremptória: do ponto de vista do ‘enredo’, a coisa está sendo construída como manda o figurino.
Variações de sentido à parte, diga-se em tempo, enredo é o que se deve entender como “arranjo” de uma história. Fez-se isso à perfeição: primeiro o golpe, depois a prisão de Lula, limpando-se o terreno para a eleição de Bolsonaro e, como desfecho, a solução de uma intriga para blindá-lo e a sua família a fim de garantir-lhe a reeleição.
Histórias fazem parte da vida dos homens. E.M. Foster, renomado romancista e teórico inglês, dizia ser ela, na perspectiva de quem a escreve ou de quem a recebe, uma necessidade atávica, transmitida de uma para outra geração, desde o Homem de Neanderthal, “força de vida e de morte, conforme sua capacidade de manter acordados ou fazer adormecer os membros de um grupo, desde a noite dos primeiros dias…”
Quanto ao povo brasileiro, em vez de acordá-lo, a História só lhes tem feito dormir um sono profundo, como se “deitado eternamente em berço esplêndido!”
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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