O dia começa cedo. Corremos para o trabalho. Acordamos para a vida. A jornada é longa e estressante na maioria das vezes. Nisso, nem sequer nos damos conta do que está à nossa volta. Chega a noite e, exaustos, tudo o que desejamos é a cama para descansar o corpo, a fim de descansá-lo para a nova empreitada do dia seguinte. Aos finais de semana, procuramos esquecer a todo custo a rotina que tanto exaure a nossa saúde física e mental.
Não obstante a necessidade da luta pela existência; do empenho na manutenção da vida, necessitamos de algo mais. Algo que seja um alumbramento maior para nossa fugaz existência. Algo que não nos ofereça uma vida mecânica, mediana, restrita apenas às lutas corriqueiras.
“O essencial é invisível aos olhos”. Você provavelmente já deva ter se deparado com essa frase contida no clássico “O pequeno príncipe”, do francês Saint-Exupéry (1900-1944). Se não leu o livro, certamente a encontrou como legenda de alguma foto de algum amigo nas redes sociais. Pois bem. Na minha opinião, o essencial está intimamente ligado à simplicidade. O simples é o que evitamos a todo custo, mas é exatamente nele que está a chave para o freio da vida.
A vida é morte e ressurreição. Ao inspirar e expirar, estamos promovendo, ao mesmo passo, a vida e a morte, alegoricamente falando. Porém, nunca prestamos a devida atenção para reparar na nossa própria respiração. Estamos ocupados demais. Estamos estressados demais. Estamos constantemente vivendo no automático. Não temos tempo para amenidades.
O rio da vida seca sem que tenhamos dado conta de que ele já estivera cheio algum dia. Tarde demais; quando a última gota se esvai é que damos conta de que tínhamos uma vida e a jogamos fora; nem sequer a notamos. O “automatic mode” há muito nos consumiu. Estamos destituídos de nós mesmos.
E o que fazer para refrear a danação que nos cega? Atentar para as coisas simples da vida, meu caro leitor, talvez seja um bom começo. Qual foi a última vez em que o amigo leitor tirou um tempo para estar a sós consigo mesmo? Digo, para sentir a vida pulsando no seu corpo? Há momentos na existência, em que devemos atentar para o mecanismo do freio. Contemplar o céu, um quadro (mesmo que seja por uma imagem que lhe chega pela internet), uma canção que lhe inspire, que lhe instigue, que não seja mais do mesmo do que se tem hoje no mercado fonográfico. Um bom livro tem o poder de lhe tirar da vida automática; de lhe transportar para um mundo onde a sensibilidade lhe aflora as mais diversas sensações.
Muita das vezes, caro leitor, é o trajeto o que importa, não o fim. É o simples o que importa, não a complexidade. É a sapiência o que importa, não a inteligência – sim, são coisas distintas, embora alguns não façam a devida distinção. É a pergunta o que importa, não a resposta. É o freio, não a correria o que pode ser salutar ao homem. Mas lembre-se, frear não é sinônimo de estagnar. Freie para se conhecer melhor, para oferecer saúde mental e espiritual a si mesmo. Esqueça um pouco os problemas, as pessoas, o mundo externo como um todo, e freie para, paradoxalmente, seguir em frente.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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