“Nada tem feito na vida senão tirar partido do que vi e vivi”
Goethe
Era um desses dias inevitáveis. Um encontro que não foi marcado. Um antigo bar. A proposta: ir ao novo cabaré que abrira. Senti falta do pai que não tive: aquele velho poderia ter me falado das luzes vermelhas tremulando sob a áurea do prazer. Mas tudo que eu descobrira na vida veio através do pedagógico philos: velhos amigos, amigos velhos. Encontrei os três naquela noite. Já estavam de saída. Foi um convite inevitável.
O ambiente era uma mistura de arquitetura milenar e moderna: Não havia as luzes vermelhas, nem o cenário era sombrio. Pelo contrário: tudo era moderno; o portão automático que parecia ter vida própria aos nos reconhecer como clientes.
A longa piscina acenava, com suas cores verde-azul, para um mergulho embriagado de lubricidade. Os carros caros. Mal chegamos e já se ouvia a gargalhada pueril dos velhos ricos que se gabavam do dinheiro que os possuía. O transitar dos garçons portando as cervejas mais caras da cidade.
A única coisa que era milenar ali era a arquitetura dos corpos:o rebolado, a estreiteza do vestido e da saia, a sensualidade proposital dos falsos agachamentos, que servem apenas para mostrar que tudo aquilo vale a pena, eram os mesmo de sempre.
Só havia uma coisa estranha ali: um homem. Ou melhor, um pobre-diabo que se infiltrou num dos carros dos meus amigos. Vi-o falando com esse meu amigo antes de sair, mas imaginei que ele negaria o pedido. Mas não negou.
Lá estava a figura: com uma aparência ambivalente: aspectos que lhe conferiam a idade de um ancião, mas com um ar de um coroa de quarenta e tantos anos. Pele enrugada do sol, uma tez escurecida, cabelos grisalhos, esquálido, trajando roupas baratas : um short xadrez mal combinado com uma camisa polo de feira em cores irregulares. Parecia uma zebra. Quem era ele? Um pobre-diabo.
Dizem que era virgem. Apaixonara-se há alguns anos por uma menina vinte e tantos anos mais nova. E ela – não sei se por humanidade ou desumanidade- dava-lhe atenção. Ia ao trabalho dela; Comprava-lhe roupas, perfumes, levava o almoço. Ela sempre dava atenção a ele, embora não quisesse nada com aquele coitado. Dizem que um velho rico a bancava. E o meu novo amigo? Era um liso-cadeira-cativa dos bares derrubados. Pedia cigarros e bebia apenas refrigerante, como se a bebida não o fizesse mais esquecer quem era.
A princípio não gostei da presença dele. Era do tipo “entrão”. Detesto gente assim. Mas depois vi o gesto do meu amigo como um gesto de humanidade, extrema humanidade.
Olhei pro seu rosto magro e feio. Ele olhava fixamente pras putas. Num dado momento, comentou, melancólico: “é preciso ter dinheiro na vida, tudo que é bom vem com dinheiro”.
Havia mais sabedoria naquela fala do que em todo o arsenal dos professores de humanas que falam em opressão, em ricos contra pobres, e todas essas baboseiras.
Ele não se ressentia de haver ricos ali, com dinheiro para gastarem com o prazer. Ele só queria ter ele mesmo alguns trocados, uns duzentos e poucos contos. Tive pena; não é um bom sentimento, mas tive. Ele olhava tudo aquilo como um faminto olha para um prato de comida que não pode alcançar; como um tântalo atormentado pela maldição de nada ter nesta vida: nem amor, nem amizades, nem família, nem mesmo uma noite de sexo.
Quando estávamos pedindo a conta, o amigo que o levou, num ato não menos humano do que o primeiro, disse-lhe: “Se um dia eu tiver dinheiro o suficiente pra não me faltar, pago uma noite de prazer pra você com uma daquelas loiras ali”.
Esqueci-me de dizer que havia duas loiras descomunais ali. Pensando bem, não sou tão egoísta e mesquinho assim. Eu não tirava os olhos das reações do pobre homem. Ele olhou com sofreguidão para meu amigo herói e lhe sorriu.
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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