Se a esquerda, entre nós, nutrisse contra os ricos o mesmo ódio que esses devotam a Lula, práticas terroristas já teriam tomado conta do país.
É lamentável o que se tem visto e ouvido nas redes sociais, nos restaurantes, nas ruas, por parte de uma elite perversa que exulta em face da supressão de direitos e conquistas das classes trabalhadoras, e do que, sem provas, se tem feito contra Lula a fim de anular qualquer possibilidade de reação ao fascismo implantado no Brasil com o golpe de 2016.
Na livraria, ao meu lado, enquanto folheio a última edição da Divina Comédia, de Dante Alighieri, é-me inevitável ouvir a declaração de uma senhora dirigindo-se a uma amiga: – “Tanta gente boa morre de câncer e esse homem [Lula] teve câncer e não morre!”
A frase lapidar, que só encontra páreo na sua própria burrice, a um só tempo envergonha e indigna, pois, infelizmente, traduz o que pensa a elite brasileira, a mesma que enche as igrejas nas manhãs de domingo e se arvora cristã pelo simples fato de dar esmolas.
A imoralidade da condenação pública de um homem inocente, a exemplo do que afirma Susana de Castro em artigo notável sobre Hannah Arendt, levou a filosofia a distanciar-se dos homens e voltar-se para a contemplação do cosmos, da natureza, das ideias… O que se vê, hoje, no país, aponta, curiosamente, para o outro lado: constitui um convite à desobediência civil.
De índole pacífica, a esquerda brasileira propunha para o caos em que foi colocado o país reformas consentidas, pelo caminho democrático do voto nas eleições deste ano, isto é, pelo direito sagrado de escolher o povo o seu presidente.
Ao impedir Lula de ser candidato, numa prova mal disfarçada de estar a serviço dos interesses do grande empresariado, o Judiciário brasileiro tirou dos olhos a venda com que, historicamente, procurou simbolizar sua imparcialidade. Piscou três vezes: duas, para simplesmente limpar a visão, uma vez para o olhar atento da elite, como a lhe dizer: está consumado o ato espúrio. Tiramos o homem do combate.
Simples assim, como fazem sorrateiramente os amantes pouco antes de cometer a traição.
Em tempo: Da Divina Comédia, na livraria, relia eu o fragmento do Inferno em que Dante depara com a cena hedionda em que queimam os iracundos e os rancorosos, que ignoram as forças do bem e da verdade, esmagados sob o peso da hipocrisia, do ódio e da prática desavergonhada da perseguição.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
0 comentários